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Agenda da Jornada do Novembro Negro na UFSB tem hip hop e saberes descentrados como eixos

  • Escrito por Heleno Rocha Nazário
  • Publicado: Segunda, 13 de Novembro de 2023, 17h32
  • Última atualização em Segunda, 13 de Novembro de 2023, 17h48
  • Acessos: 551

WhatsApp Image 2023 11 09 at 09.17.32Nesta segunda-feira (13) ocorre o encontro Hip Hop 50 anos – Cultura de rua e saberes descentrados, que será realizado de modo online às 19h, com transmissão pelo canal da Jornada do Novembro Negro no Youtube. Conforme o pró-reitor de Extensão e Cultura, professor Richard Santos, esse evento é parte da edição atual do Projeto de Extensão Jornada do Novembro Negro da Universidade Federal do Sul da Bahia, que está em sua quinta edição. A jornada é organizada pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e pelo Programa de Pós-graduação em Ensino das Relações Étnico-Raciais (PPGER/UFSB). O cinquentenário Hip Hop é o tema do evento neste ano, cuja agenda foi iniciada com a titulação de Mano Brown como Doutor Honoris Causa pela UFSB. O encontro previsto para hoje promete uma discussão propositiva, para além da celebração, como pretende a exposição do processo de montagem do edital de fomento a cultura Hip Hop, publicado recentemente pelo Governo Federal com um orçamento ao redor dos R$ 6 milhões.

A mesa será conduzida pelo professor Richard Santos (Big), coordenador do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e membro da comunidade Hip Hop nacional. Terá participações de Claudia Maciel (Brasília- Articulação nacional do Hip Hop), Mano Oxi (Rio Grande do Sul), Trauma MC e Roberta Teixeira (Batalha do Complexo do Baianão - Porto Seguro), Dj Branco (Casa do Hip Hop Bahia), Renan Inquérito (SP), Claudia Rodrigues (Coletivo Fruições – Ilhéus), Toni-C (LiteraRua), Leo Matheus (Brasília – UNB-Batalha da Escada), e Thogun Teixeira (Rapper, Ator e produtor, RJ). O evento será concluído com exibição do documentário Do gueto à tela: a importância do videoclipe na construção da imagem da periferia, dirigido por Luaran Simeão, sobre o impacto do Hip Hop no Complexo do Baianão em Porto Seguro, que também foi apresentado na solenidade em homenagem a Mano Brown.

O professor Richard Santos falou mais sobre a agenda deste ano em entrevista, na qual refletiu sobre o hip hop e em especial o rap como mediador da formação da consciência política e meio expressivo sobre o cenário e o território.


ACS: A jornada deste ano foi inaugurada com a solenidade de entrega do título de Dr Honoris Causa a Mano Brown. Que outras atividades, além da mesa do dia 13, estão previstas para este ano?

Professor Richard Santos: Neste ano estamos trabalhando principalmente em parceria com os demais atores do território de abrangência da UFSB. Assim, na semana passada entre os dias 06 e 09 /11 realizamos junto com a Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Patrimônio Histórico de Porto Seguro o 1º Ciclo de Formações Continuadas da Educação para as Relações Étnico-raciais. Nesta semana, 14/11, em Itabuna, no Centro de Cultura Adonias Filho realizaremos em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, o Movimento Negro Unificado (MNU), e com outras entidades locais, o II Seminário Integrador da Consciência Negra da rede Municipal de Itabuna. No dia 20/11, teremos o lançamento do livro Refletindo processos de epistemicídio na educação, reconhecendo saberes e engenhosidades, organizado pelo Coletivo Dandaras. Encerrando nossas atividades, no dia 27/11 teremos o IV Colóquio de Pesquisa Negra Contemporânea.

Importante observar que são ações construídas pelas pessoas membras do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo (GP_PNC_UFSB), que tem a mim e a professora Maria do Carmo Rebouças como coordenadores. Porém, a conquista que tivemos de inserir o dia da Consciência Negra no calendário da universidade ainda não se concretizou com ações nascidas nas unidades, pulverizadas nos mais variados âmbitos da instituição para que possam refletir sobre a sociedade e país que temos e que acreditamos incidir positivamente.

Quero dizer que, sem essa pluralidade de ações e iniciativas, a organização fica focada em uns poucos e que sufocados se esgotam, ao tempo que não fortalece a agenda da UFSB, interna e externamente.

 

ACS: Um dos tópicos previstos para a mesa do dia 13 é a apresentação de um edital do governo federal para fomento à cultura hip hop. O que essa política pública sinaliza em relação a essa expressão cultural muito vinculada às periferias e à vivência da população negra?

Professor Richard Santos: Toda política pública é reconhecimento das demandas de um determinado grupo, avanço programático em suas ações e sinalização de que o governo da vez percebe naquela comunidade, naquela cultura, potencial de influência positiva no seu espaço de ação. Assim, penso que as palavras da ministra da Cultura, Margareth Menezes, revelam bem o objetivo e interesse ao lançarem este edital. Em comunicado, ela informa que o hip-hop é, antes de tudo, um movimento de resistência, articulado e estabelecido há cinco décadas, com importante função social e cultural. “A ação do MinC em conjunto com a Construção Nacional da Cultura Hip Hop reforça o valor das experiências vividas nas comunidades, a realidade de milhares de brasileiros que fazem arte e cultura de sua luta”. É uma perfeita imagem de como a cultura Hip Hop, nas suas mais variadas vertentes, muitas vezes incompreendidas, é potência para significativa parcela da população que classifico como “Maioria Minorizada”. É uma cultura insurgente.

 

foto richard santos ufsbACS: O hip hop começou à margem e hoje conta com espaço e reconhecimento. Dá para dizer que o hip hop virou mainstream? Ou ainda existem espaços a conquistar?

Professor Richard Santos: A cultura Hip Hop segue à margem. Alguns poucos artistas ligados a elementos da cultura Hip Hop, caso do Rap, foram inseridos no esquema da indústria cultural. A indústria percebe a ascensão desta cultura negra, “jovens” de periferia, sua articulação com a política negra, as pautas que fortalecem, as lideranças que de artistas viram líderes políticos e nos mais variados espaços, caso até mesmo da academia, e assim, com esta compreensão absorvem alguns poucos para mostrar pluralidade na indústria do entretenimento. Não sem antes pautar uma série de reacomodações de imagem, redesenhos de marcas e exploração ao máximo desse artista que depois será descartado, esquecido, dando espaço para o mais novo a ser cooptado, explorado e cuspido. É o ciclo da indústria cultural e do turbocapitalismo, como chama Muniz Sodré.

 

ACS: Um efeito dessa cultura, que ficou muito evidente na solenidade em homenagem a Mano Brown, é o seu papel como fomentador de uma consciência social e política para a juventude negra. Com o rap e outras formas de expressão ligadas ao hip hop mais valorizadas, as pautas seguem sendo as mesmas? Houve alguma adição de temas na música, na arte visual e na dança que representam o contexto atual do público que respira e consome o hip hop?

Professor Richard Santos: Sim, o Hip Hop e seus elementos são expressões artísticas que refletirão a sociedade em que estão inseridos. Aqui no Sul e Extremo Sul teremos uma relação muito próxima das criticas sociais, a relação com a exploração turística predatória e demais pautas que chegam internacionalmente via mídia e suas agências. A hipótese da agenda setting é bem possível de ser testada nas expressões ligadas ao hip hop. Por outro lado, na consolidação internacional da estética política do Hip Hop será possível percebermos que do artista do mainstream, vamos citar o Jay Z, a outros que bebem na fonte do Hip Hop, ao se associarem com essa cultura manifestarão um posicionamento social. Não necessariamente unificado, plural é verdade, o que é bom. Mas observaremos uma ampla agenda política sendo expressada. Hoje temos construções sobre o impacto do Hip Hop na formação das crianças,  artistas consagrados, caso do RenanInquérito  fazendo produtos para os mais jovens. Eu mesmo fui pioneiro, no início dos anos 1990, ao lançar dois livros infantis para crianças.

 

ACS: Ainda sobre a cerimônia do Dr Honoris Causa, tivemos uma importante presença de artistas locais e regionais do hip hop apresentando suas criações no evento. Em sua percepção, o que o sul da Bahia parece agregar de diferencial nas suas criações e reflexões?

Professor Richard Santos: Aquela programação e o momento especial foram muito além da figura individualizada e atomizada do Mano Brown. A proposta de homenageá-lo, como um dos grandes intelectuais nascidos nos Territórios Negros- Campos da Maioria Minorizada, era para que através dele fizéssemos um sinal para todos os artistas e intelectuais orgânicos, negros, indígenas, de periferia: que a universidade também é lugar para eles, é o nosso lugar. Que nossas manifestações devem pular o muro desse bastião do saber canônico colonial e se impor em estado de igualdade junto aos demais caminhos para o conhecimento. Isso ainda não é uma realidade em qualquer universidade brasileira, muito menos na UFSB, ainda que com o sucesso da titulação. Nós, oriundos de classes sociais na base da pirâmide, não brancos, não alinhados com o eurocentrismo, sem o discurso normalizado do positivismo acadêmico e insurgentes, que ocupamos espaços, não nos fazemos invisíveis e atuamos para a mudança. Ainda somos alvo do expurgo, das tramas que promovem a invisibilidade, dos artifícios que colocam em xeque nossa capacidade cognitiva e, com isso, estamos sujeitos a toda uma série de questionamentos, incertezas e tropeços provocados por nossos próprios colegas partícipes da Colonialidade do Saber e do Brutalismo em relação a esse “outro”, - estranho.

É desta forma que a titulação, a manifestação artística do Hip Hop local e destas, momentos como o Novembro Negro, o grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e o Programa de Extensão Jornada do Novembro Negro, exercem um resultado muito além do objetivamente palpável. É aquilombamento e reenergização do espírito, fortalecimento da alma. Temos a “Alma no Exílio”, fazendo aqui alusão aos escritos seminais sobre o tema feito pelo Pantera Negra Eldrige Cleaver. Enfim, o silêncio nos corrói, o individualismo nos destrói, e o sistema nos mata. O caminho é a atuação coletiva sempre, abrir caminhos, promover passagens e ascensões e com isso manifestar a potencialidade engada de nossas vidas e presença no mundo. Toda essa programação, é um ato por visibilidade de uma coletividade ainda invisível também aqui na UFSB e no território.

 

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