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Pesquisa analisa dados sobre assédio em embarcações, seus efeitos, combate e prevenção

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Quinta, 01 de Fevereiro de 2024, 14h30 | Última atualização em Quarta, 07 de Fevereiro de 2024, 10h52 | Acessos: 721

O trabalho em mar aberto, incluindo a pesquisa científica, apresenta a contradição do horizonte sem fim com a restrição de movimentos ao ambiente da embarcação, dentre outros contrapontos. Esse aspecto é um dos fatores que piora a experiência das diferentes formas de assédio e discriminação, verdadeiras doenças dos ambientes laborais mundo afora. E, apesar dessas situações ocorrerem com pessoas de todos os gêneros e orientações sexuais, são as mulheres e as minorias que compõem a maior parte das vítimas. Uma pesquisa apresentada no artigo Harrasment and bullying aboard: impacts of gender inequality on ocean professionals, publicada na revista Marine Policy, destaca que casos de assédio moral e sexual geram efeitos de médio e longo prazo, prejudicando a saúde física, mental e mesmo as carreiras profissionais das pessoas atingidas.

No artigo, assinado por Michele Cristina Maia (UFSB), Gabriela Lamego (UFBA), Carla I. Elliff (USP), Jana M. Del Favero (Bate-Papo com Netuno), Juliana Leonel (UFSC) e Catarina Rocha Marcolin (UFSB), apresenta-se o estudo feito junto a profissionais que atuam embarcados, ligados ou não à produção de ciência, com diferentes períodos de trabalho em alto mar e de diferentes faixas etárias. A pesquisa também foi noticiada pela Agência Bori. O estudo é exploratório e foi feito mediante aplicação de um questionário com 33 perguntas, 29 do tipo fechado e quatro perguntas abertas, a pessoas que trabalham embarcadas, inicialmente dirigidas a quem trabalha em cursos de Oceanologia, Oceanografia ou outros das áreas Ambientais. O formulário foi divulgado por e-mail a coordenações de cursos daquelas áreas e via redes sociais por meio de webinários, debates online e pela plataforma Bate-papo com Netuno, dedicada à popularização de ciência. A disseminação alcançou também profissionais embarcados não envolvidos com pesquisa acadêmica. Ao todo, 260 respostas foram validadas pelos critérios definidos pelo estudo.

A investigação obteve resultados que descrevem um cenário hostil: mulheres são a maioria das pessoas afetadas por condutas de assédio moral, sexual e discriminação, tendo enviado 197 das respostas analisadas; respondentes informaram ter manifestado sintomas físicos, como tensão muscular, falta de energia, insônia e dores de cabeça, e sintomas psicológicos decorrentes dos abusos, como sensações de raiva, insegurança, impotência e falta de motivação para trabalhar. A maior parte dos casos não é reportada a instâncias superiores ou externas às instituições às quais as pessoas que responderam estavam ou estiveram vinculadas. 

A professora Catarina Marcolin, que leciona e pesquisa junto ao Centro de Formação em Ciências Ambientais (CFCAM), no Campus Sosígenes Costa, em Porto Seguro, fala mais a respeito do estudo, que foi tema da dissertação de Michele no PPGCTA. Em 2022, as pesquisadoras propuseram e realizaram um webinário a partir dos resultados encontrados na pesquisa, em uma atividade conjunta com a Comissão de Ética de servidores da UFSB. "Falamos sobre como as situações de assédio em embarcações refletem o cotidiano de nossa sociedade, ainda que de forma potencializada, dada a especificidade do isolamento. Discutimos sobre a importância da Universidade para pensar estratégias educativas sobre o assunto e em como a Comissão de Ética poderia auxiliar nisso", detalha Catarina. 

 

Medidas preventivas

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Além de diagnosticar o contexto, as autoras propõem medidas para incluir a dimensão preventiva nas rotinas das embarcações. Isso porque, segundo Catarina, estabelecer instâncias de combate e punição dos casos dentro das instituições e empresas não basta: "Como destacamos em nossas conclusões, são necessárias mudanças estruturais na cultura deste ambiente profissional. A aplicação apenas de ações punitivas após situações de assédio ocorrerem não é suficiente para isto. Recomendamos que sejam pensadas ações direcionadas aos indivíduos (ex: fornecer canais seguros de comunicação entre a equipe embarcada e uma equipe em terra), às organizações (ex: promover capacitações e um ambiente de trabalho seguro), aos setores relevantes (ex: enfatizar as vantagens em se ter equipes diversas em relação a gênero e raça/etnia) e pensando em políticas e ações regulatórias (ex: garantir o acesso de mulheres a profissionais de saúde)".

Outra sugestão é o reforço das orientações contra assédio moral, sexual e atitudes discriminatórias para a equipe no momento de começar as atividades. Catarina aponta que incluir o tema no briefing às pessoas é simples de fazer e oportuno para essa ação. "O briefing é o momento antes do início do trabalho em campo ou embarcado, quando os responsáveis pela atividade precisam explicar às equipes questões básicas da operação e de segurança. Explicar que naquele embarque há uma política de zero tolerância ao assédio é uma inclusão importante nessa conversa. Além disso, recomendamos que as instituições ofereçam capacitações para as pessoas saberem identificar casos de assédio e orientar como agir nessas situações. Criar canais de denúncia para receber e investigar relatos também é essencial para proteger as vítimas", destaca a cientista.

A visibilidade para as condutas de assédio como inaceitáveis em um ambiente embarcado é uma ação que deve influir na composição das equipes, explica a professora Catarina. Essa medida demanda decisão das instituições e das empresas pela prevenção: "Sobre mudanças na tripulação, nós entendemos que quanto mais diverso for um grupo, melhores as chances de que situações de assédio moral e sexual não aconteçam e não passem despercebidas. Assim, a inclusão de mais mulheres, bem como pessoas de outros grupos minorizados, na tripulação e nas equipes de pesquisa, especialmente em cargos de poder, é primordial. Existem algumas formas de se fazer isso, desde priorizar a contratação de mulheres até a organização de rodízios, evitando equipes compostas somente por homens. Mas logicamente, cada empresa, instituição e universidade deve pensar em suas próprias soluções. Para além disso, não é suficiente mudar a composição da tripulação se não houver um esforço para se mudar a cultura de violência, buscando a promoção de ambientes de trabalho onde as diferenças sejam respeitadas."

Em termos de continuidade da pesquisa, a professora Catarina Marcolin afirma que os dados qualitativos devem ser analisados a fundo pela equipe. A intenção é entender melhor como as situações de assédio impactaram as vidas das pessoas que responderam o questionário. "Isso vai ser fundamental para que possamos delinear estudos de longo prazo, que são mais complexos e demandam maior tempo na coleta e análise dos dados. Além disso, a maioria das autoras fazem parte da plataforma de divulgação científica Bate-Papo com Netuno, onde publicamos textos de nossa autoria e pessoas convidadas sobre temas relacionados às ciências do mar e, particularmente, os desafios nesta carreira. Dar visibilidade para esses desafios é imperativo para mobilizarmos a comunidade em busca de soluções. Além disso, nosso grupo está finalizando a construção de um guia de combate ao assédio em embarcações, mais um dos produtos resultantes do mestrado de Michele, que esperamos que colabore para que as pessoas entendam o que é assédio, como denunciar e que contribua para a construção de medidas e protocolos relacionados à desigualdade de gênero e ao assédio em embarcações", detalha a cientista.

 

Canais para denúncias na UFSB

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) oferece canais distintos para o processamento desses casos. Há os canais que recebem e encaminham as denúncias, como a Ouvidoria, e os órgãos que podem realizar apurações e procedimentos disciplinares no âmbito administrativo, como a Comissão de Ética Estudantil, a Comissão de Ética de Servidores e a Comissão Permanente de Atividades Correcionais (CPAC).

É importante entender alguns pontos relacionados ao ato de denunciar uma situação de assédio, seja moral ou sexual, ou de discriminação. O primeiro é que há a proteção garantida da identidade da pessoa denunciante, com a preservação do anonimato, em especial para as denúncias encaminhadas pela plataforma Fala.Br e para a Ouvidoria da universidade. Essa proteção é devida por força legal e tem a intenção de estimular que denúncias de situações reais de assédio sejam realizadas e encaminhadas aos órgãos competentes para apuração dos fatos e, caso comprovados, responsabilização administrativa, sem prejuízo das responsabilizações civis e criminais.

Outro aspecto essencial é entender os papéis que os órgãos da UFSB desempenham nesses casos. A Ouvidoria da instituição é o órgão que recebe e responde demandas de informação e pode encaminhar denúncias de ações ilícitas, dentre elas o assédio, para os canais de apuração, que são a Comissão de Ética Estudantil, a Comissão de Ética de Servidores e a Comissão Permanente de Atividades Correcionais (CPAC). A Ouvidoria não tem poderes para investigar nem encaminhar punição no âmbito administrativo, mas sim realiza a função de ser o primeiro passo para a formalização da denúncia, sempre com a proteção da identidade da pessoa denunciante em sentido integral. Sem a formalização da denúncia não é possível iniciar uma investigação no âmbito administrativo.

Feita a denúncia, e sendo constatado que nela há indícios de materialidade que justifiquem investigação, a Ouvidoria encaminha a denúncia para a CPAC. Isso marca o final da atuação da Ouvidoria e o começo da atividade da CPAC, que passa então ao juízo de admissibilidade com base nos fatos relatados na denúncia. Como se explica aqui, os fatos relatados passam a ser de fato apurados pela CPAC, que fará ´primeiro um juízo de admissibilidade e, dependendo desse ato administrativo, poderá instaurar uma comissão para procedimento investigativo ou correcional. Um dos resultados eventuais pode ser a responsabilização na esfera administrativa. O PAD tem como objetivo específico elucidar a verdade dos fatos constantes da representação ou denúncia associadas, direta ou indiretamente, a exercício do cargo, sem a preocupação de incriminar ou exculpar indevidamente o servidor ou empregado.

 

Confira mais informações a respeito neste link.

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