Estudo em dossiê do IPEA trata das cotas raciais em concursos do magistério superior
O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) publicou em dezembro um dossiê focalizado sobre os efeitos das políticas afirmativas de cotas raciais para pessoas negras em diversos âmbitos do poder público brasileiro, conforme determinado pela Lei Federal 12.990/2014, que estipula a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos no âmbito federal para pessoas negras. Análises partindo dos diferentes órgãos e dimensões do serviço público foram compiladas no Boletim de Análise Político Institucional - Edição Temática - Implementação de Ações Afirmativas para Negros e Negras no Serviço Público: Desafios e Perspectivas, disponível online. As professoras Maria do Carmo Rebouças dos Santos e Lidyane Maria Ferreira de Souza, que pesquisam e lecionam no curso de Direito, vinculado ao Centro de Formação em Ciências Humanas e Sociais (CFCHS), e no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-raciais (PPGER) na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), participam com um estudo do processo institucional de aplicação das normas legais para cotas nos concursos para docentes.
O boletim temático do IPEA contempla pesquisas e análises sobre as aplicações das cotas em diferentes órgãos do serviço público federal,e o caso da UFSB figura ao lado de outros três artigos dedicados a diferentes aspectos das políticas de cotas para pessoas negras no magistério superior. Para analisar a adesão dos concursos da universidade ao definido em lei, as professoras realizaram análise documental de editais, listas de inscrições homologadas e de classificação, portarias de nomeação e processos judiciais, além de aplicar um questionário a gestoras(es) da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal (Progepe) da instituição.
Analisando dados dos seis concursos públicos para contratação de professores que a universidade realizou desde a sua criação, as professoras Maria do Carmo e Lidyane apontam que o processo de aplicação da Lei nº 12.990/2014 foi gradual, representando um esforço de aprendizado. Ainda assim, há muito o que melhorar para que o mínimo legal seja atendido. No total dos concursos realizados, 38 cotistas deveriam ter sido aprovados, mas somente 23 foram nomeados. As melhorias institucionais foram sendo refletidas nos editais de concurso e nas resoluções do Conselho Superior (Consuni), ainda que não se tenha conseguido atender o quantitativo definido em lei. É preciso também realizar a "formalização normativa da aprendizagem institucional" para garantir a homogeneidade e a coerência dessa política institucional, argumentam as juristas e pesquisadoras negras.
A professora Maria do Carmo explica que o IPEA criou uma programação de apresentações e debates, a partir dos resultados divulgados no Boletim. O Ciclo de Debates "Ações Afirmativas no Serviço Público" iniciou no dia 26 de janeiro e será concluído em 23 de fevereiro. A participação das pesquisadoras da UFSB está agendada para o dia 16 de fevereiro às 9h, no quarto encontro com o tema Carreiras Docentes e Instituições de Ensino Superior. O ciclo de debates será transmitido ao vivo no canal do Youtube do Ipea.
As professoras Maria do Carmo e Lidyane explicam mais detalhes da pesquisa em entrevista.
Dentre as sugestões apresentadas estão as que tratam de normatizações internas. É o tipo de documento que sinaliza e ao mesmo tempo efetiva procedimentos gradualmente mais amadurecidos e eficientes. Nesse quesito, em suas perspectivas, como consideram que está a UFSB frente a outras IFES?
Importa recordar a autonomia das Universidades Federais, constitucionalmente prevista e reconhecida por nossa Corte Constitucional. No exercício dessa autonomia, é recomendável que as universidades e a própria UFSB, em atos normativos internos que regulamentam concursos públicos, disponham sobre a forma de aplicação das ações afirmativas que adotam. Esta disposição confere unidade na aplicação da lei ao longo do tempo e entre diferentes setores de uma mesma universidade, evitando que a política pública seja relegada àquele espaço nebuloso em que discricionariedade e arbitrariedade podem se confundir.
A UFSB já teve uma resolução que normatizava a realização de concursos públicos na universidade (Resolução 01/2018) detalhando toda a metodologia de aprovação, classificação, etc., embora não explicitasse a metodologia sobre a aplicação das cotas raciais. Essa resolução, por razões que não apuramos nesta pesquisa, teve vida curta, durando somente um ano.
A normatização interna da metodologia de aplicação das cotas nos concursos (aplicação, forma de nomeação, carreira etc) é um aprendizado ainda a ser incorporado por todas as universidades.
Uma outra sugestão leva em conta o fator da demografia, propondo que se considere percentual mais alto, tendo em vista a composição fenotípica da população baiana. Podem falar mais sobre essa proposta?
Inicialmente, sustentamos que o percentual de 20% deve ser compreendido sempre como um piso e não como um teto. Considerando que a população brasileira é composta em cerca de 50% por pessoas negras, 20% é um percentual mínimo. Para efetivar a igualdade perseguida pela Lei, que é reparatória com vistas à inclusão de pessoas negras no serviço público, essa igualdade deve ser proporcional ao número de pessoas negras na população que dê conta de corrigir a sub-representação da população negra nas carreiras federais. O critério mais fidedigno seria os dados de autodeclaração do censo do IBGE para o território de abrangência da universidade. Essa já é uma prática estabelecida na Lei de Cotas para a graduação (Lei 12.711/2012). As universidades são também responsáveis pela efetivação da lei e têm autonomia para ampliar esse percentual.
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