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Projeto de extensão levou propostas para enfrentar a questão da vulnerabilidade social da juventude negra

  • Escrito por Heleno Rocha Nazário
  • Publicado: Quarta, 14 de Novembro de 2018, 13h59
  • Última atualização em Segunda, 19 de Novembro de 2018, 16h25
  • Acessos: 2894

O projeto de extensão Juventude Viva: arte, cultura, comunicação e garantia de oportunidades aos jovens no município de Itabuna/BA, coordenado pela professora Regina Soares de Oliveira (UFSB),  foi uma das duas propostas institucionais fomentadas com recursos do edital Proext MEC 2016. As atividades foram realizadas em duas etapas, de julho a dezembro de 2016 e de abril a outubro de 2017. O foco foi o enfrentamento do cenário de vulnerabilidade social da juventude negra de famílias de baixa renda, um público que sofre com a violência.

 

  

Oficinas de introdução ao áudiovisual (esq.) e ao empreendedorismo digital (dir.) apresentaram perspectivas para os jovens da rede pública de ensino

 

Para atender esse objetivo, o projeto desenvolveu oficinas sobre temas das áreas da arte, cultura, comunicação comunitária e empreendedorismo nos bairros considerados os mais violentos da cidade de Itabuna. Em comum além dos índices de violência, esses bairros não têm alternativas culturais e de lazer e a oferta de serviços públicos e de infraestrutura urbana é muito baixa. Devido a readequações no planejamento, mais bairros foram atendidos: Bairro de Fátima, Conceição, Ferradas, Jardim Grapiúna, Pedro Jerônimo, Nova Ferradas, São Caetano e Santa Inês. Com um total de seis tipos de oficinas realizadas em 20 ocasiões, 341 pessoas foram atendidas. As modalidades de oficinas realizadas foram as seguintes:

 

Modalidade

Nº de realizações da oficina

Participantes

Música, mixagem e meios eletrônicos

8

127

Empreendedorismo digital

3

78

Introdução à massagem relaxante

1

15

Introdução ao audiovisual

2

82

Corpo e automaquiagem: empoderamento da mulher negra

4

16

Jogando com prosas e versos

2

23

 

Uma outra meta estabelecida foi a realização do I Fórum Juventude Viva: Vulnerabilidades e Oportunidades, em 17 de outubro de 2017, com a participação de 170 pessoas. O evento foi precedido por uma Mostra Cultural de trabalhos de artistas locais, de participantes do projeto e da comunidade acadêmica da UFSB. O fórum conteve uma mesa redonda sobre a realidade da juventude negra no Sul da Bahia, a cultura da violência, a discussão de estratégias de ações e políticas públicas para a redução da mortalidade. O compartilhamento de relatos sobre as produções e as experiências fez parte das atividades.

Com isso, ao todo 511 pessoas foram atendidas pelas ações do projeto Juventude Viva, com 80% desse público sendo composto por jovens negros na faixa etária de 15 a 20 anos. 18 bolsistas colaboraram na primeira etapa (julho a dezembro de 2016) e seis na segunda etapa (abril a outubro de 2017).

 

 

A mesa-redonda do I Fórum Juventude Viva trouxe dados e análises sobre a violência e a vulnerabilidade socioeconômica que afligem jovens negros

A professora Regina detalhou o trabalho e as expectativas para a iniciativa em entrevista concedida à ACS.

 

ACS: Como a fase de escuta das comunidades ajudou a aprimorar o planejamento?

Professora Regina Soares de Oliveira: A partir das conversas com as comunidades, ficou claro que o diagnóstico realizado ainda na fase de escrita do projeto, precisava de aprimoramentos. Ficou claro nos primeiros contatos com as comunidades, que os espaços sugeridos pelo poder público municipal para realização das oficinas nem sempre eram os mais adequados tanto em função da localização dentro do bairro, como em relação ao horário disponível para sua utilização. Além disso, alguns líderes comunitários inicialmente contatados, não eram reconhecidos como lideranças dentro das comunidades, o que nos fez localizar outros agentes que atuavam nessas comunidades e que se tornaram parceiros do nosso projeto, tanto mobilizando a comunidade para participar das atividades, como eles próprios participaram das ações em vários momentos. O processo de escuta comunitária nos ajudou a readequar as atividades e propor outras não previstas anteriormente, mas que pudessem atender as necessidades dos grupos com os quais trabalharíamos, por exemplo, a oficina “Corpo e automaquiagem: empoderamento da mulher negra”, surgiu depois de uma roda de conversa dos nossos extensionistas com adolescentes em uma das comunidades. Ali, ficou claro que a violência existente nas várias comunidades, impactava na autoestima das adolescentes negras e que, portanto, era importante incluir uma oficina que buscasse mais do que trabalhar a questão da beleza simplesmente, aliasse reflexões que questionassem a estética imposta cotidianamente à população negra e que, ao mesmo tempo, valorizasse a beleza da mulher (cabelo, pele, etc).

 

 

Introdução à massagem relaxante e à mixagem de som integraram as opções de oficinas para os jovens atendidos pelo projeto de extensão

 

ACS: Dentre os desafios que a equipe enfrentou, quais a senhora destaca como sendo os mais urgentes?

Professora Regina: Foram muitos os desafios encontrados na realização do projeto. Logo no início do projeto, o processo de aproximação com as comunidades apontou a existência de problemas na relação do poder público com as comunidades. Em alguns casos, nos pareceu evidente que havia um desconhecimento, por parte do poder público, de quem eram as lideranças comunitárias. Assim, algumas pessoas indicadas como referência não eram reconhecidos como tais pela comunidade; outros desenvolvem diversos trabalhos comunitários relevantes, mas não têm o reconhecimento do poder público.

O segundo desafio foi encontrar espaços físicos que pudessem receber as atividades propostas pelo projeto: trabalhamos com bairros muito carentes e cujo índice de violência era bastante alto. Percebemos que em muitos desses bairros, o único espaço existente para realização de qualquer atividade é o espaço escolar, que por sua vez, também são precários do ponto de vista da infraestrutura (salas pequenas, não contam com laboratórios de informática, não dispõem de recursos, há falta de manutenção do espaço e ausência de funcionários).

A ausência de perspectiva para muitos jovens que participaram das oficinas também foi um desafio, pois os relatos ouvidos durante as oficinas denunciavam a exposição a violência que eles sofriam (uso de drogas, pais presos, assassinato de amigos), a ausência de perspectiva para vislumbrarem um futuro diferente do que o vivido pela maioria das pessoas dessas comunidades, falta de afetos, etc. Essas situações, por sua vez, geraram muitas angústias também em nossos estudantes/extensionistas, que se questionavam como poderiam intervir naquela realidade; o que poderiam fazer para mudar aquele cenário.

Por fim, o processo burocrático institucional da UFSB nos processos de aquisição dos equipamentos para o projeto também interferiu no andamento das ações previstas, visto que em vários momentos tivemos que ter uma boa dose de criatividade para superar a ausência de equipamentos que deveriam ser utilizados nas oficinas.

 

 

A oficina Corpo e Maquiagem: empoderamento da mulher negra abordou diretamente a autoestima e o questionamento de padrões estéticos

 

ACS: Dentre as ações preparatórias, constou levantamento sobre a existência de políticas públicas municipais voltadas para a juventude de Itabuna. Qual o resultado desse levantamento? Que política pública nesse sentido pode ser desenvolvida pela prefeitura no atual momento financeiro do poder público?

Professora Regina: O projeto Juventude Viva: arte, cultura, comunicação e garantia de oportunidades aos jovens no município de Itabuna/BA foi pensado a partir de uma ação da Secretaria Nacional de Juventude, no momento da elaboração do projeto sabíamos que o município de Itabuna aderiu aos Programa Juventude Viva, porém não soubemos se o município acessou algum projeto dessa secretaria ou não. Em conversas iniciais com a Prefeitura, ainda em 2015, havia a sinalização que existia uma preocupação do poder público municipal com a juventude e em desenvolver ações para a mesma, mas, não tivemos acesso a nenhum documento que descreve quais seriam essas ações. No processo de aproximação comunitária tivemos contato com as ações desenvolvidas pelas Unidades Básicas de Saúde, com as adolescentes, principalmente em programas de educação e orientação sexual.

Considerando os altos índices de homicídios contra a população jovem em Itabuna, e principalmente a população jovem negra, é necessário que o poder público pense políticas específicas para esse público e atue de forma rápida. Até onde sabemos, a precariedade existente nas diversas comunidades também empurra os jovens para a violência. Itabuna é uma cidade que carece de espaços de culturais, espaços de lazer e sabemos que os jovens precisam ser apoiados em suas ações. Assim, qualificar o espaço urbano é importante. Criar espaço que possibilitem seu acesso desses jovens à cultura, ao lazer, é fundamental para se reduzir os índices de violência à que estão expostos. Criar projetos de financiamento às ações culturais comunitárias, como existem em outras cidades do Brasil, pode ser um caminho, não oneraria tanto o orçamento municipal e poderia, a curto prazo, ter resultados consistentes. O principal, é ter disposição e vontade de ouvir a juventude, os jovens sabem o que querem, se você souber ouvi-los, eles te apontarão muitas pistas

ACS: Há intenção de novo projeto para continuar o trabalho com esse público?

Professora Regina: Sim, mas em parceria com as escolas onde a UFSB vem atuando, atingindo esse público via Educação Básica. Sabemos que um projeto nas dimensões do Juventude Viva precisa de aporte de recursos e que a instituição sozinha não tem como arcar. Mas é possível realizar algumas outras ações, dando continuidade ao belíssimo trabalho iniciado com o projeto anterior, principalmente aqueles que envolvam a escuta de adolescente e jovens e que priorizem o protagonismo juvenil.

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