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Estudo trata dos aspectos sociais e jurídicos da prática do ciberstalking

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Terça, 27 de Julho de 2021, 11h20 | Última atualização em Terça, 27 de Julho de 2021, 11h27 | Acessos: 2486

É comum que as plataformas de redes sociais na internet sejam apresentadas como vetores de conexão e comunicação entre as pessoas. Infelizmente, esses espaços também são mal empregados em práticas agressivas, e um desses comportamentos é o ciberstalking, termo que designa a atitude persecutória com uso dos recursos online. A descrição e a configuração legal desse ato como um crime é tema de um estudo descrito no capítulo Ciberstalking e suas características sociojurídicas, assinado por Leandra Tiago (docente no curso de Direito da PUC Minas), Ana Lívia Pereira (graduanda em Direito na PUC Minas), Ceila Sales Almeida (doutoranda no PPGES UFSB/docente UNEB) e Emerson Mendes (graduando em Direito na UFSB). O capítulo integra o livro Perspectivas Jurídicas e Tecnologias, organizado por Cristina Rezende Eliezer e Henrique Avelino Lana, dedicado aos novos desafios surgidos das inovações tecnológicas e dos comportamentos humanos e medidas institucionais na rede mundial de computadores.

woman 2775273 1920O estudo parte de revisão da literatura sobre o que é a prática de stalking nos estudos da área do Direito e como a compreensão desse comportamento têm sido trabalhado no debate realizado em diferentes países. O termo deriva do verbo to stalk, que significa a ação de perseguir e espreitar em busca de uma chance de ataque. O intuito é caracterizar esse comportamento em suas dimensões sociais e jurídicas de modo a descrever e situar a conduta em seus efeitos de infração a direitos fundamentais.

O stalking, apontam os autores, é um crime interpessoal reiterado e que abala a saúde psicológica e o bem estar físico da vítima, podendo ser manifesto em atitudes como diversas e repetidas formas de contato e comunicação indesejadas e intimidadoras e vigilância da vítima pelo agressor, por exemplo. É um tipo de perseguição que afeta a liberdade e os direitos inerentes à pessoa humana, especialmente quando praticado por meios digitais, o que configura o ciberstalking.

O texto passa à caracterização do ciberstalking e à inovação no âmbito do Direito Penal e Direito Processual Penal do Brasil, a partir da atualização do Código Penal. Um dos diferenciais do ciberstalking está justamente no rompimento das limitações geográficas pelos diferentes canais disponíveis na web; na essência, a mesma intenção persecutória que move as ações na vida off-line. No Brasil, esse tipo penal abrange o comportamento criminoso dentro e fora da internet. A diferença é que um tipo penal realizado na rede de computadores é um cibercrime. Essa modalidade de perseguição, por assim dizer, acontece especialmente nas plataformas de redes sociais, nas quais o agressor lança mão de vários recursos, como perfis falsos, para expor informações sensíveis, assediar com comentários e ofensas e ameaçar a qualidade de vida da vítima, por exemplo.

Perseguição e machismo

Um dos pontos do texto é a conexão do ato de monitorar e assediar o alvo com o machismo, uma vez que a maioria dos casos notificados aponta para mulheres como o grupo mais vitimado pela prática, por vezes após o término de uma relação prévia. A ideia de posse e dominação do outro feminino pelo masculino e a eventual ruptura de uma relação afetiva é parte do que explica a tendência. Outra base para a subsistência dessa conduta, explicam os autores, está na evolução do Direito, que em tempos anteriores conferia legalidade a diversas restrições impostas às mulheres. Com as mudanças nas leis trazidas ao debate pelos estudos e movimentos feministas, a noção de domínio da mulher pelo homem já não é aceita como natural e indiscutível. Esse processo de transformação social requer, dentre outras medidas, que existam tipos penais para coibir a violência de gênero. No caso, tem-se a atualização do Capítulo VI da Parte Especial do Código Penal com a introdução do artigo 147-A, tipificado pela Lei 14.132/21, que caracteriza o crime de perseguição, mais conhecido como stalking e suas delimitações.

Os autores do capítulo explicam mais detalhes do tema em entrevista por e-mail.

 

A inovação do artigo 147-A do Código Penal é novíssima, e o texto detalha as condições de aplicação. Como essa inovação pode melhorar o cenário judicial brasileiro em relação ao crime de perseguição, especialmente online?

A pesquisa científica no campo do Direito desempenha um importante papel ao auxiliar o judiciário no exercício hermenêutico. Tendo tal prerrogativa como plano de fundo, e considerando que o direito se modifica ao passo que as transformações sociais se realizam, compreende-se que a criminalização da perseguição cria mais uma nova tutela ao bem jurídico liberdade, direito fundamental consagrado pela Constituição Federal brasileira. Por outro lado, a criminalização da  perseguição se apresenta como um importante alinhamento do Brasil para com os tratados internacionais, ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir, como, por exemplo, a violência doméstica e familiar contra a mulher. 


Podemos entender o stalking praticado hoje, também, como uma reação ao cenário de progressiva condenação e desuso de costumes e ideias de dominação do feminino pelo masculino?

Apesar do artigo não se debruçar de forma exauriente e profunda quanto às relações sociais de gênero, é possível, sim, compreendermos que a criminalização de determinadas condutas coaduna-se com o necessário rompimento de práticas de hierarquização e dominação de gênero. As instituições sociais de defesa dos direitos das mulheres exerceram e continuam exercendo um importante papel no cenário nacional no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.


Ainda que majoritariamente as mulheres formem o grupo mais atingido por essa prática criminosa, o ciberstalking, como subtipo da perseguição, afeta outros grupos? Quais?

A perseguição, bem como a sua prática por meio da rede mundial de computadores, de um modo geral, tem a capacidade de atingir a liberdade individual de qualquer sujeito, independentemente do gênero, identidade sexual/afetivo, raça, classe social e etc. Todavia, durante a fase de revisão sistemática de bibliografia nacional e internacional, observou-se que as mulheres são vítimas com maior frequência desse tipo penal. Apontamos, assim, a existência de uma estreita relação entre o ciberstalking e prática de violência de gênero, familiar e extrafamiliar, uma vez que, os fundamentos de dominação dos homens em face das mulheres, próprio da ideologia patriarcal, muitas vezes, é um elemento, presente, nas práticas do stalking, quer seja, na modalidade presencial ou virtual.

Na relação entre o ciberstalking e o machismo, existe aí uma possível interface entre o Direito e a Educação, no sentido de apoiar uma formação mais sadia e não-violenta da próxima geração?

Sim, o direito enquanto uma prática educativa deve ser compreendida e exercida durante todo o período formativo dos sujeitos, principalmente na fase escolar. As próximas gerações possuem plena possibilidade de serem, diferente de nós, uma sociedade mais receptiva à diversidade, inclusiva e que respeita os direitos e liberdades individuais, desvencilhando-se, bem como combatendo práticas de violência, desumanização e objetificação/coisificação dos sujeitos, deixando para trás a ideia de que as pessoas nos pertencem, como objetos. Trazemos à baila, como forma exemplificativa, o próprio caráter educativo e pedagógico presente no art. 8º, I a IX, da Lei nº 11.340/2006, conhecida nacionalmente como Lei Maria da Penha, vez que precisamos caminhar no sentido de promover valores éticos e sociais de convivência social, e não apenas criar um enorme arcabouço criminalizador.

 

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay 

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