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Artigo em revista internacional expõe os riscos à saúde dos trabalhadores informais em abate de gado na Bahia

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Sexta, 14 de Maio de 2021, 14h15 | Última atualização em Sexta, 14 de Maio de 2021, 15h51 | Acessos: 3979

Manutenção da carne em local inadequado banco de imagens higiene de alimentos UFFAlimentação e saúde são temas que se conectam em vários aspectos. Se na indústria em geral o cuidado com a sanidade tanto da matéria-prima quanto dos trabalhadores envolvidos é tema discutido e atualizado a cada momento, há uma situação que é diametralmente oposta no mercado informal de carne. A situação da saúde dos magarefes, como se chamam os trabalhadores informais em abates clandestinos em município da Bahia, é o tema do artigo The health of male and female workers from the ilegal slaughter of cattle in a municipality in the northeast of Brazil, aceito para publicação na revista Rural and Remote Health. O estudo é assinado pela especialista em Saúde Coletiva e mestranda em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER) pela Universidade Federal do Sul da Bahia, Larayne Gallo Farias Oliveira, e pelo professor Vanner Boere, que leciona e pesquisa no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências do Campus Jorge Amado (IHAC CJA/UFSB), orientador do trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado por Larayne na especialização. O TCC pode ser consultado na Biblioteca do Campus Jorge Amado, em Itabuna.

É o primeiro estudo sobre o tema no Brasil, e antes da publicação o trabalho foi premiado como o melhor no II Simpósio do Sul da Bahia de Saúde Coletiva da universidade, em junho de 2019. Como a pesquisa combinou metodologias de entrevista e observação participante e pelo fato de tratar de pessoas, foi necessário submeter a proposta e seguir as orientações do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSB. É por esse motivo que a pesquisadora não pôde revelar a cidade em que coletou os dados e tampouco identificar os trabalhadores participantes. A natureza precária e sem direitos da função de magarefe coloca outros desafios, como o de localizar e contatar pessoas que integram o que Larayne identifica como "população escondida". Para contornar essa dificuldade, a solução foi adotar uma técnica em que um entrevistado indica outros, chamada de "bola-de-neve"

Contaminação banco de imagens higiene de alimentos UFFO cenário que a pesquisa revela, porém, é de graves sintomas médicos e psíquicos das pessoas que vivem dos abates clandestinos de gado. Ausência de equipamentos e instalações com sanidade biológica, remuneração ínfima e precariedade imensa nas condições de vida são alguns dos fatores expostos. A existência de um mercado clandestino de carne não-fiscalizada torna explícita a pobreza e as carências de uma dada região, inclusive em termos de instituições.

Apesar do estudo se referir especificamente a um município baiano, a pesquisadora sugere que cenários similares se repitam em várias partes do Brasil. A degradação das condições socioeconômicas de mais e mais pessoas nos últimos anos e a condição de invisibilidade dos trabalhadores informais inclusive para políticas públicas pressiona a busca por opções mais acessíveis de alimentos. Ao mesmo tempo, a fragilização ou a inexistência de órgãos de vigilância sanitária contribuem para a continuidade da prática de abate ilegal de gado, que causa danos ao erário pelo não-recolhimento de impostos, e à saúde pública, pela insegurança sanitária e pelas doenças que afligem os trabalhadores informais.

A pesquisadora Larayne Gallo Farias Oliveira e o professor Vanner Boere responderam por e-mail as perguntas sobre o tema do artigo e como a pesquisa foi feita.

 


 

O que chamou sua atenção para o tema das condições de saúde dos trabalhadores informais no abate de gado no interior da Bahia?

O trabalho informal tem se caracterizado pela fragilidade dos trabalhadores em exercerem os seus direitos a uma vida digna. Entre esses direitos está o acesso à assistência à saúde, que é um direito universal. Muitos trabalhadores são empurrados para um campo marginal de trabalho, pela falta de educação formal, de qualificação e de oportunidades. Essa situação não é diferente nos trabalhadores do abate de animais que não são regularizados; pior, é uma profissão de alto risco para os trabalhadores e a população que consome alimentos de origem animal.

A sociedade de uma determinada região tolera o risco de consumir alimentos não fiscalizados porque talvez não haja muitas alternativas e a cultura de consumo de carne impõe determinados padrões. A atividade de risco no abate de animais não é exercida por gente qualificada e fica à cargo dos mais marginalizados na sociedade: jovens, homens, pobres e aculturados. Curiosamente em nosso estudo, encontramos mulheres exercendo papéis nessa atividade. Nesse caso, acreditamos que a atividade de abate clandestino deve ser mais penosa para as mulheres que vivem em uma sociedade rural, patriarcal e misógina.       

 

A sua escolha metodológica foi contornando as desconfianças dos entrevistados. Que cuidados você adotou para entrevistar essas pessoas submetidas a um trabalho ilegal?

Em todo trabalho de campo, há sempre o estranhamento inicial do entrevistado; porém, faz parte da metodologia e das habilidades do pesquisador criar um grau de confiança mútuo. Isso foi feito com uma conversa franca e horizontal entre a entrevistadora e os entrevistados. Além disso, usamos uma metodologia não randômica, denominada de "bola-de-neve", onde uma pessoa vai indicando outra que seria potencialmente acessível à entrevista. 

 

Além dos riscos de acidentes de trabalho, na pesquisa se apresentam dados de doenças causadas pelo contato desprotegido com as carcaças, e se fala em considerar algumas enfermidades, como a gastrite bacteriana, como zoonoses. O que se pode propor como solução ou redução de danos nessa situação? 

Especificamente sobre a gastrite infecciosa causada por Campylobacter pylori e C. jejuni há alguns poucos estudos demonstrando que os trabalhadores de algumas atividades insalubres (limpadores de esgoto, magarefes) há uma alta incidência de doença. Suspeita-se de que essa infecção possa induzir alguns carcinomas (câncer) de estômago. Há autores que sugerem colocar a campilobacteriose entre as zoonoses, ou sejam doenças transmitidas por animais. Encontramos uma queixa alta de gastrite entre os trabalhadores da nossa amostra. Por isso, sugerimos que pode haver uma maior incidência de campilobacteriose nesses trabalhadores. 

As leis sobre vigilância sanitária são muito eficientes se aplicadas, para evitar a transmissão de doenças, mas é preciso aplicá-las. Para aplicar a lei, muita gente pensa em punição. Esse é o último passo depois de muitos outros terem sido cumpridos. Primeiro, deve haver um esforço conjunto das pessoas, dos órgãos municipais e estaduais, para estabelecer abatedouros que se adequem aos padrões sanitários. Segundo, deve haver a presença de profissionais qualificados para orientar, educar e fiscalizar a atividade de abate (veterinários, microbiologistas etc); terceiro, deve haver uma campanha massiva de conscientização e de educação para um consumo consciente e aumentar a segurança alimentar. O investimento pode ser de certa monta, mas quanto vale a saúde da população? Quanto vale uma vida? Um exemplo é a pandemia terrível que estamos vivendo, que se suspeita ter se originado em um mercado de abate de animais vivos na China, na região de Wuhan. Já se sabe que a fiscalização é falha e há certa condescendência cultural quanto ao abate de caça e animais vivos na China. Isso está mudado e esperamos que essa lição se reflita no Brasil, nas centenas, talvez milhares de abatedouros clandestinos, sem fiscalização, que existem no Brasil.   

 

Com os dados do artigo, que avaliação você faz dos fatores causadores dos problemas de saúde relatados pelos trabalhadores em alguns casos, como dificuldade para dormir, ansiedade e estresse? 

O corpo não está dissociado do estado psíquico das pessoas; ao contrário, ambos podem ser considerados uma unidade. Assim, quando as condições sociais, econômicas e de trabalho não vão bem, tanto os sinais e sintomas como dor, inflação, degeneração, etc, são acompanhados por estresse. E o estresse crônico se reflete em distúrbios emocionais e metabólicos; esses por sua vez, causam mais estresse. Resumidamente falando, a Organização Mundial de Saúde afirma que "a saúde não é apenas a ausência de doença; a saúde é um estado de bem-estar geral". Então, enquanto as condições gerais da pessoa não melhorarem, não há uma boa saúde. Foi o que vimos no nossos estudo: más condições sociais e econômicas, baixa escolaridade e problemas de saúde graves.

 

ACS: O artigo mostra que o tema está ligado a outros aspectos dignos de estudo, como a estrutura socioeconômica do Brasil rural e o risco da venda e do consumo de carne clandestina e sem sanidade nas cidades próximas. Que propostas se pode delinear para resolver ou mitigar o problema?

Esse é o primeiro estudo científico publicado sobre a saúde dos trabalhadores em abatedouros clandestinos no Brasil. Nele pôde-se verificar que a saúde dos trabalhadores com atividade ilegal de abate de bovinos, em situações de vínculo de trabalho ilegal, está ligada à pobreza e à baixa escolaridade. Esses trabalhadores não entram nas estatísticas oficiais, sendo parte de estimativas aproximadas indiretas e quase sempre com dados longe do local de vivência. O conjunto dos relatos esboça um cenário de adoecimento generalizado, com agravos físicos e psíquicos em grandes proporções, evidenciando um grave problema de saúde pública.

Existem poucas evidências em contrário para se suspeitar que quadros de vulnerabilidade e adoecimento menos graves ocorram em outros lugares do país com magarefes em abatedouros clandestinos. Este estudo, no entanto, é um ponto de partida para a visibilidade aos magarefes de abatedouros clandestinos. Apenas pesquisas de longo prazo e ampliadas poderão dar subsídios para políticas de saúde pública visando minimizar o risco de agravos advindos da atividade de abate em bovinos em uma “população escondida”.

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