Em artigo, pesquisador aponta para impactos do racismo na carreira de professores negros de língua inglesa

Trata-se de um estudo com metodologia autobiográfica, no qual as participantes contribuem diretamente com relatos de suas experiências e suas histórias de vida. No caso, duas professoras contam sobre o processo de formação docente e o exercício da profissão em sala de aula. São vários momentos e modos em que a questão racial se mostra como obstáculo para a carreira das duas docentes. Essa situação tende a gerar um dilema entre as identidades que essas pessoas forjam para si: de resistência na/pela linguagem, persistindo na profissão e usando a linguagem para isso, ou de resistência à linguagem, desistindo do exercício profissional.

A pesquisa do professor Gabriel dialoga com outros estudos que analisam as relações entre as práticas da linguagem e do racismo, e o percurso de investigação inspirou a criação do Grupo de Pesquisa em Linguagem e Racismo. O professor Gabriel Nascimento falou sobre o estudo em entrevista concedida por e-mail.
ACS: Os relatos apresentados no artigo mostram como a situação educacional da rede pública se torna uma barreira adicional para as pessoas negras estudarem e posteriormente ensinarem a língua inglesa, sem falar em melhoria de suas condições de vida. Em termos de política pública, o que se pode sugerir para reparar essa situação?
Professor Gabriel Nascimento: A escola tem que ser um lugar seguro para professores negros e estudantes negros. Um lugar que não marque suas trajetórias como se essas pessoas fossem sem-língua. Ao contrário, muitas já falam diversas línguas de suas comunidades antes de chegar na escola. O que pode ser feito sempre tem a ver com o projeto político pedagógico daquela escola. Tem a ver com um currículo em que ensino de conhecimentos afrobrasileiros não sejam o transversal, mas algo naturalizado no cotidiano da escola. O ensino de língua inglesa precisa ser plenamente democratizado, o que não é hoje. Atualmente o inglês ainda ocupa o lugar de complementação de carga horária, por exemplo. É preciso que os professores negros de língua inglesa não sejam vistos como mais estrangeiros na língua e que a escola ensine que o inglês não é um selo de língua mais civilizada, mas uma língua a mais que será importante para o desenvolvimento do aluno. Aprender as mais diversas formas de falar o idioma, incluindo as variantes africanas do inglês, é uma boa forma de incluir, por meio de vídeos, músicas, textos, o conhecimento, os sotaques e as formas legítimas da pessoa negra existir na língua inglesa.
Existir na língua é uma preocupação importante da minha pesquisa. É preciso que a escola, mais do que contribuir para reproduzir mitos de que quem aprende inglês é quem viaja para outros países, que não se aprende inglês na escola. Essas são formas racistas de tratar o ensino de inglês na escola que têm a ver com uma autoestima de colonização reproduzida pelos professores de maioria branca no ensino de língua inglesa. Ao se sentirem inferiores aos professores de inglês que são falantes nativos, eles impõem isso para os estudantes negros. A língua, de difícil, se torna impossível.
ACS: A desconfiança em relação à capacidade de uma pessoa negra em aprender e ensinar um segundo idioma, no caso o inglês, parece brotar do mesmo solo que as ações mais violentas, porém em versão mais dissimulada. A esse trabalho se pode remeter algumas das preocupações de um artigo anterior de sua autoria, sobre os aspectos do Ensino da Língua Inglesa, em especial a imposição de padrões definidos pelos falantes nativos. Pelas suas experiências e pesquisas, como a linguagem e o racismo se conectam nos ambientes educacionais?
Professor Gabriel Nascimento: O racismo naturaliza as condições de violência para as pessoas negras. Isso até parece algo normal, como a chuva que cai. Ele também desnaturaliza o sucesso de pessoas negras. A relação da linguagem e racismo se funda nesse aspecto. A linguagem é o lugar que usamos para naturalizar e desnaturalizar processos. Então, em primeiro lugar o próprio corpo negro não é visto como natural no âmbito de falantes de uma segunda língua. Nem uma primeira. Muita gente negra é acusada de nem "saber falar português direito", quanto mais inglês. Ou seja, a impossibilidade de ter uma primeira língua supostamente faz o negro ser incapaz de aprender uma segunda ou outras línguas adicionais. É incrível como o racismo desumaniza através da linguagem. Ao ser ensinado você sempre é lembrado do seu status de não-falante. Nunca tratamos nossos estudantes como já falantes daquela segunda língua, porque é exatamente isso que eles são. Falar não é necessariamente se expressar com uma qualidade idealizada. É se expressar.
Os ambientes educacionais, assim, são espaços de conformação dessa identidade condicionada pelo racismo. As identidades brancas, quase raridade nos espaços de concentração do ensino público, vão sendo vistas como mais competentes ou com mais qualidade e as pessoas negras, já bombardeadas pelo racismo, são ainda mais invisibilizadas ou têm seu conhecimento exterminado, o que temos chamado de epistemicídio.
ACS: Pode explicar mais sobre como as noções de resistência na/ através da linguagem e resistência à linguagem descrevem as experiências das pessoas negras com o aprendizado e a atuação como docentes de inglês?
Professor Gabriel Nascimento: O fato das pessoas aprenderem a falar vários idiomas quase nunca tem a ver com a capacidade delas. Mas com as variáveis sociais e raciais. Seria muito bom que a resistência fosse sempre vista como algo que já existe nessas pessoas. Ou seja, mesmo com as imensas dificuldades, essas pessoas são multilíngues em sua natureza. A forma de falar com o filho e diferente da forma de falar no mercado e é diferente da conversa na beira do rio quando se pesca. Ao irem para a escola, aquelas e aqueles que conseguem resistir na e através da língua, resistem com as resistências que já têm. Já vi muitíssimos alunos negros com facilidade em língua inglesa, com vontade de aprender, mas vejo uma escola que os quer monolíngues. Os professores que entrevistei não caíram de paraquedas no ensino de língua inglesa. Sempre gostaram de inglês, mas resistiram vendo as necessidades reais e adiamentos e a vida nos trouxe até aqui em alguma oportunidade que nos agarramos.
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