Artigo aponta indícios de grande erupção vulcânica como causa de resfriamento global ocorrido há 73 mil anos
Berços de vida, os oceanos fazem parte do que se pode chamar de grande mecanismo climático. As correntes marinhas contribuem para as variações de temperatura no globo, com a circulação de calor, sal e da fauna e flora de água salgada entre partes distantes do planeta. Essa interatividade oceânica deposita sedimentos, formando camadas dos materiais que ajudam a identificar condições climáticas de épocas passadas. Da mesma forma que diferentes profundidades de amostras geológicas ajudam a contar a história da formação e ocupação do solo, esses vestígios coletados e analisados por oceanólogos também servem para montar uma linha do tempo do clima do planeta.
É a essa linha de investigação científica que se vincula o artigo An abrupt cooling event recorded around 73 kyr in western South Atlantic, publicado na revista Quaternary International e assinado pelos pesquisadores Edmundo Camillo Jr, Ana Cláudia A. Santarosa, Karen B. Costa, Felipe A.L. Toledo (Instituto Oceanográfico da USP) e Juliana Pereira de Quadros (Centro de Formação em Ciências Ambientais, UFSB). A pesquisa reconstrói indícios de variações de temperatura em um período de 130 mil anos a partir de amostras geológicas colhidas no fundo do oceano na região do Atlântico Sul. É um estudo que busca suprir a escassez de dados paleoceanográficos nessa região do planeta, com dados relacionados a longos períodos, incluindo as épocas glaciais no Atlântico Sul.
As amostras geológicas foram colhidas no fundo da Bacia de Santos e, com o uso de técnicas distintas, os cientistas puderam estimar variações de temperatura ao longo do tempo a partir de pistas como a presença de espécies de plâncton que preferem águas frias e mudança na composição química da água e dos sedimentos conforme as camadas geológicas se sucedem na amostragem, por exemplo. Essas condições foram então reconstruídas com o auxílio de uma rede neural artificial, capaz de aprender a relação entre variáveis; no caso da pesquisa, a rede computacional foi treinada a identificar e correlacionar as temperaturas estimadas a partir dos estratos geológicos com informações da presença de 26 espécies planctônicas em uma base de dados do Atlântico Sul desenvolvida em outro estudo da área.
As amostras de zooplancton ajudaram a refinar estimativas de mudanças de temperatura no estudo (Imagem do arquivo do Laboratório de Paleoceanografia do Atlântico Sul, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP).
Os resultados apontam para um fenômeno ocorrido há cerca de 73 mil anos que foi capaz de causar rápido esfriamento global. Dentre as hipóteses para explicar esse fato, conforme os autores, se destaca a da erupção do super vulcão Toba, localizado em Sumatra, que teria induzido um inverno vulcânico. Dentre os impactos, uma quantidade massiva de dióxido de carbono teria sido lançada na atmosfera, a ponto de provocar um período de cerca de 1.800 anos de baixas temperaturas no planeta, segundo algumas estimativas.
A coordenadora do curso de Bacharelado em Oceanologia, e uma das autoras do artigo, professora Juliana Quadros, dá mais detalhes sobre a pesquisa em entrevista por e-mail.
Esse estudo tem como um dos resultados algo como uma linha do tempo das variações de temperatura, a partir dos indícios nos sedimentos. Como esse resultado pode nos ajudar a entender o clima do planeta?
Professora Juliana Quadros: A metodologia utilizada neste estudo é capaz de reproduzir a história das variações climáticas e oceanográficas ao longo do tempo através da análise do sedimento do fundo do oceano, que se acumula incansavelmente, dia após dia, ao longo dos anos, por mais de dezenas de centenas de milhares de anos e muito mais. É como uma viagem no tempo. Observamos como o clima do planeta era no passado e como mudou até chegar às condições climáticas que predominam hoje. Essa compreensão é importante tanto para entendermos as condições de adaptação pelas quais a humanidade já passou, as mudanças ambientais sofridas, quanto para entendermos os locais que ocupamos hoje, além de alimentarem modelos de previsão climática e fomentar ações de mitigação de impactos relacionados com eventos extremos, de maior frequência ultimamente.
Que consequências uma eventual confirmação da hipótese de que a grande erupção do supervulcão causou o resfriamento traria para a sua área de estudo?
Juliana Quadros: Essa é uma questão ainda muito debatida entre os cientistas. Existe uma corrente que aponta evidências de um resfriamento duradouro e outra corrente que tem evidências que apontam para um efeito mais brando e pontual. Os resultados obtidos na nossa pesquisa demonstram um resfriamento e outras características associadas ao avanço de frentes frias no oceano Atlântico Sul, durante o mesmo período da erupção e nos anos seguintes, o chamado “inverno vulcânico”. Em se confirmando esta hipótese, uma das principais consequências seria a comprovação desse efeito climático mais duradouro e de grande abrangência global. Comparamos nossos dados com estudos que apontam esse efeito climático em outros locais, como por exemplo o paralelo que traçamos com o clima no Arizona (EUA) no mesmo período, são como peças de um grande quebra-cabeça que vão se encaixando.
A figura mostra o local da coleta das amostras. Dados paleoceanográficos no Atlântico Sul, como os descritos no artigo, ainda são escassos.
No âmbito do estudo do clima, e das suas mudanças, esse evento de resfriamento global ocorrido há cerca de 73 mil anos oferece algum insight para entender algo do processo climático atual, guardadas as diferenças?
Juliana Quadros: Sim, ele nos mostra que algumas mudanças climáticas podem ser abruptas e se espalhar rapidamente pelo globo e portanto, devemos estar sempre alertas e nos precaver para minimizar as consequências negativas e isso implica em planejamento de políticas públicas não imediatistas. As mudanças climáticas são muitas vezes de difícil percepção e aceitação, no entanto o efeito de pequenas alterações no clima são bastante conhecidas de todos nós: desastres causados por chuvas intensas resultando em perda de moradias, períodos de secas intensas que causam deslocamentos populacionais, disputas por recursos naturais como água, áreas de plantio, petróleo que resultam em conflitos regionais ou mesmo guerras de maior proporção, entre outros. Então, devemos pensar em agravamento das crises sociais e econômicas que já vivemos enquanto sociedade.
Quais os próximos passos, a partir desses resultados?
Juliana Quadros: Os próximos passos serão a implementação do laboratório de estudos paleoclimáticos e oceanográficos, capacitar alunos da universidade para atuar nessa linha de pesquisa, especialmente dos Bacharelados Interdisciplinares em Ciências, Licenciatura Interdiscilpinar em Ciênas da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Biológicas e Oceanologia, embora, dada a interdisciplinaridade do tema, outros cursos também tem espaço. Pretende-se verificar se outros registros sedimentares de outras localidade do Atlântico Sul ou Brasil corroboram esta hipótese destacada no artigo. Além disso, há a ideia de explorar a região sul da Bahia em busca de registros que possam detalhar a história paleoclimática e paleoceanográfica daqui e verificar como o clima se alterou por aqui e seu efeito nesse território. Entender o que já aconteceu é uma forma de se preparar para o futuro, porque à natureza é cíclica.
Amostras de fitoplancton e de sedimentos marinhos (à dir.) integraram os objetos do estudo (Acervo pessoal professora Juliana Quadros)
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