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Pesquisadores analisam a violência contra crianças e adolescentes em Porto Seguro

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Segunda, 08 de Junho de 2020, 13h21 | Última atualização em Segunda, 08 de Junho de 2020, 13h21 | Acessos: 2950

Um dos assuntos difíceis quando se trata da educação em família, os maus tratos como forma de educação pelo castigo - ou como exercício de poder - são costumes que podem ser sintetizados no conceito da palmada educativa. Essas noções são enraizadas historica e culturalmente a ponto de ser possível afirmar que se trata de crianças e jovens vítimas de outras vítimas, em um processo contínuo. Um estudo realizado por professores e estudantes da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) teve seus resultados divulgados na revista Psicologia.PT. O artigo Violências contra crianças e adolescentes em Porto Seguro, Bahia: um estudo exploratório documental junto ao Conselho Tutelar II é assinado por Émerson da Silva Mendes, Emily Stephanie Morais dos Santos, Monalisa Pereira Santos, Rayssa Souza, Cristiano da Silveira Longo e Stella Narita e apresenta a análise dos dados obtidos durante a realização do projeto de pesquisa intitulado Violência Física e Psicológica contra crianças e adolescentes no município de Porto Seguro, no extremo sul da Bahia: retrato após a "Lei Menino Bernardo" na cultura da violência doméstica local, apoiado com bolsa pelo Programa de Iniciação à Pesquisa, Criação e Inovação (PIPCI) da Universidade Federal do Sul da Bahia. O projeto foi tema de uma das primeiras notícias da editoria UFSB Ciência, lançada em março de 2019.

A pesquisa foi desenvolvida com apoio financeiro concedido pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), por meio da concessão de uma bolsa de Iniciação Científica mediante Edital nº 15/2018 da Pró-Reitoria de Gestão Acadêmica (Progeac), Coordenação de Fomento à Pesquisa, Criação e Inovação e mais três bolsas concedidas pela então Pró-Reitoria de Sustentabilidade e Integração Social (Prosis), hoje Pró-Reitoria de Ações Afirmativas (Proaf), pelo Edital Prosis 04/2018, do programa de Bolsas de Apoio à Permanência (BAP).

 

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Com o trabalho junto aos registros de casos do Conselho Tutelar II de Porto Seguro, equipe caracterizou os tipos de violência contra crianças e adolescentes; Émerson avalia que as instituições de proteção e prevenção devem ser fortalecidas (créditos: esq. acervo pessoal Cristiano da Silveira Longo; dir., acervo pessoal Émerson da Silva Mendes)

 

O trabalho desenvolvido tratou dos dados das notificações ao Conselho Tutelar II do Município de Porto Seguro em 2015 e mapeou os casos de violência por identificação dos perfis das vítimas e dos(as) agressores(as), os tipos de violência, a cronicidade, os efeitos sobre a saúde corporal e psicológica da vítima, as motivações para os atos violentos e as medidas sociojurídicas aplicadas. Combinando a investigação documental analítico dos casos notificados ao Conselho Tutelar II com a Análise de Conteúdo, a equipe processou 331 casos a partir de um recorte inicial de 404. Com isso, chegou-se a evidências de que a violência contra crianças e adolescentes, dentro e fora de casa, é um fato que ocorre em todas as camadas sociais e que é preciso fortalecer as ações de prevenção de novos casos e de proteção social para as vitimas.

O marco temporal escolhido é emblemático, com a referência ao caso criminal que provocou comoção nacional e levou à aprovação de dispositivo legal para reforçar a proteção de crianças e jovens. O tema mostra também a necessidade de mudança dos parâmetros do que se considera como boa prática educativa. Como os autores mostram, apesar do assunto ter desenvolvimento recente, as raízes da condução pedagógica violenta são antigas e atravessam os sedimentos culturais. Um dos coordenadores do projeto, professor Cristiano Longo, explica que a pesquisa foi formalmente finalizada, e possíveis próximas etapas consistem no processo de divulgação científica (publicação de artigos e submissão de trabalhos sobre a pesquisa para participação em eventos científicos). O professor Cristiano, Émerson e a professora Stella falam mais sobre o resultado do projeto em entrevista por e-mail para a UFSB Ciência.


 

O artigo aponta para os fatores históricos e culturais que embasam a ideia de que a palmada educa, de que os castigos corporais são elementos necessários para bem educar os filhos. A quais efeitos no tecido social se pode associar essa naturalização da violência doméstica como peça essencial da formação?
 
O artigo apresenta os fatores históricos e culturais favoráveis à punição corporal de crianças e adolescentes, tecendo críticas a tais construções. Como efeitos sociais temos a própria naturalização e banalização da violência, a internalização da violência física como resolução de conflitos interpessoais, o aumento dos índices de violência doméstica contra crianças e adolescentes, e, por fim, a crença de que "bater educa". O sofrimento físico, psicológico e comunitário desencadeados por práticas disciplinadoras violentas deixa profundas marcas no tecido social.

 

Existe algum recorte de classe socioeconômica perceptível nos dados analisados? Existe alguma diferença nesses casos conforme a faixa de renda familiar?
 
Como se tratam de casos que chegaram ao Conselho Tutelar e, de modo geral, as classes socioeconômicas menos favorecidas são as que mais recorrem a este órgão, a pesquisa em questão traz, em sua grande maioria, casos de crianças e adolescentes oriundos de tais classes. Nesse sentido, tratam-se de crianças e adolescentes vítimas, de famílias com baixa renda. Entretanto a literatura científica aponta que a violência doméstica contra crianças e adolescentes (física, psicológica, sexual, fatal ou negligência)  está presente em todas as classes sociais, sendo portanto um fenômeno "democrático", isto é, atinge a todos, estando presente em todas as famílias. 
 

Que esforços, em termos de políticas públicas, podem ajudar nesse processo de longo prazo de retirar a violência intrafamiliar do processo formativo? 

Os dados da pesquisa nos permitem observar que as instituições, sejam elas estatais ou não, que atuam de forma preventiva e repressiva à violência contra a criança e adolescentes devem ser continuamente fortalecidas e aprimoradas, uma vez que os dados relativos ao número de casos notificados no município de Porto Seguro/BA são altos, ultrapassando a marca de um caso por dia. Assim, o enfrentamento a tal problemática deve ser contínuo, sistemático e articulado com a produção e fomento de políticas públicas e projetos sociais, sendo estas essenciais para o pleno desenvolvimento biopsicossocial das crianças e adolescentes. 

Em termos de políticas públicas preventivas ou erradicativas do fenômeno, intervenções sobre modos não-violentos de educação de crianças e adolescentes podem ser fomentadas pelas escolas públicas e privadas, pelos órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, pelo Ministério Público, pelas Prefeituras municipais, pelas mídias, pelas associações de bairro, e assim por diante.  Existes diversas alternativas a educar sem bater e humilhar, largamente discutidos na literatura científica pedagógica, psicológica, sociológica e pediátrica dos últimos 30 anos. É necessário fazer circular tais saberes, de forma a serem assimilados por pais e educadores, e pela sociedade em geral. Um longo caminho pela frente, certamente, dada a cultura autoritária e a mania de bater que permeiam nossa sociedade, que deitam suas raízes no próprio processo colonizatório e civilizatório do Brasil. Para um maior aprofundamento acerca das formas de educar sem bater e das consequências (individuais e sociais) da violência doméstica contra crianças e adolescentes, ver o livro Como e porque educar sem bater: orientação aos pais sobre a educação dos filhos (disponível gratuitamente).

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