Artigo pioneiro constata aumento do número de casos de picada de escorpião no Extremo Sul da Bahia
Um artigo sobre o número de casos de pessoas picadas por escorpiões no Extremo Sul da Bahia traz informações importantes para o cuidado com a saúde. O texto Escorpionismo no Extremo Sul da Bahia, 2010-2017: perfil dos casos e fatores associados à gravidade foi publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, editada pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O estudo é assinado pela bióloga e mestra em Ciências e Tecnologias Ambientais (PPGCTA) pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Nereide Santos Lisboa, e pelos professores Vanner Boere e Frederico Monteiro Neves (UFSB), que a orientaram na pesquisa Fatores Epidemiológicos e Socioambientais do Escorpionismo no Extremo Sul da Bahia, defendida no PPGCTA/UFSB em dezembro de 2019. As conclusões expostas no artigo apontam para aumento dos casos de picada de escorpião, com os casos graves ligados a indivíduos mais jovens e às ocorrências na zona rural. A maior parte das pessoas atendidas nesse recorte foi constituída por pessoas em idade produtiva, residentes no meio rural, com baixa escolaridade, do sexo masculino e negras.
A pesquisa reuniu dados de 3.055 casos ocorridos nos municípios do Extremo Sul da Bahia entre 2010 e 2017, que resultaram em 411 casos graves e dez mortes. Apesar da queda do número de mortes ao longo do período analisado, a tendência é de crescimento do número de acidentes escorpiônicos, o termo usado para indicar picada de escorpião no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foi nesse sistema que Nereide reuniu os dados com os quais trabalhou para entender o que provocou esse aumento.
A preocupação tem muitos motivos de ser: a ocorrência desse tipo de acidente é tão grande em diversos países tropicais a ponto da Organização Mundial de Saúde (OMS) incluí-lo na lista de doenças tropicais negligenciadas, fazendo companhia às leishmanioses e à febre malária, dentre outras. Doenças tropicais negligenciadas são aquelas associadas tanto às situações de miséria que favorecem o contágio quanto ao pouco interesse da indústria farmacêutica em criar tratamentos novos e mais eficazes para essas enfermidades.
No Brasil, o escorpionismo é tido como problema de saúde pública. O monitoramento de acidentes causados por animais peçonhentos é realizado via SINAN desde 1993, e a partir de 2009 o Ministério da Saúde tem realizado esforços qualificar equipes de saúde para identificação, manejo e controle de escorpiões, em parceria com as secretarias estaduais. Mesmo assim, o país registra um aumento substancial da quantidade de casos: de 52.509 em 2010 subiu para 124.077, com 740 mortes decorrentes.
A investigação feita por Nereide é a primeira a focalizar o território do Extremo Sul da Bahia a respeito do escorpionismo. Outra inovação do estudo foi o cruzamento dos dados epidemiológicos do SINAN com o Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (IVSA), fator que integra informações ambientais, sociais e econômicas para entender como o tipo de atividade produtiva, escolaridade e infraestrutura de saneamento urbano, por um lado, e as condições climáticas e as alterações que o ser humano causa no ambiente, por outro, interagem para esse quadro de aumento dos acidentes escorpiônicos.
A bióloga e pesquisadora Nereide Santos Lisboa, atuante na Vigilância Epidemiológica, fala mais sobre a pesquisa e os resultados apontados.
Esse estudo vem a ser o primeiro sobre o escorpionismo focado no território Extremo Sul da Bahia? Que aspectos do desenho da pesquisa você destaca como diferenciais?
Sim, de fato esse é o primeiro estudo dessa magnitude que abrange o tema escorpionismo e epidemiologia no Extremo Sul da Bahia. Um dos destaques dessa pesquisa foi o Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (IVSA), que objetivou sistematizar e analisar condições socioambientais muito complexas das regiões onde os acidentes acontecem em informação significativa para ajudar nas estratégias de saúde na região. As informações temáticas das variáveis adotadas no IVSA foram obtidas a partir dos dados socioeconômicos e ambientais, que combinaram indicadores ambientais, sociais e econômicos de relativa complexidade, em um índice sintético, como medida para resumir as informações relevantes. As dimensões do IVSA (ambiental, social e econômica) buscaram identificar as condições de degradação socioambiental das comunidades, decorrentes da utilização incorreta do mesmo ou da precariedade da infraestrutura urbana, resultando num socioecossistema vulnerável. Os resultados da análise indicaram o nível de exposição e incapacidade de determinados grupos populacionais em responder adequadamente às causas e consequências do escorpionismo.
Além dos fatores socioeconômicos, o estudo relaciona a dimensão ambiental de atividades que tendem a favorecer o acontecimento de picadas de escorpião, que afetaram justamente a camada mais vulnerável da população. Que medidas podem ajudar a reduzir o número de casos, especialmente na área rural?
A região do Extremo Sul da Bahia apresenta como principais atividades econômicas a produção agrícola de cana-de-açúcar, pecuária, café e eucalipto. Esse tipo de atividade agrícola leva ao desmatamento e à ocupação humana, alterando o habitat natural dos escorpiões e favorecendo o contato entre ambos, com potenciais acidentes. Estudos sobre a ecologia dos escorpiões seriam necessários para melhor compreender o impacto da atividade agroflorestal na incidência de acidentes escorpiônicos na região. O estudo mostrou que as mãos foram as regiões corporais mais afetados nos acidentes escorpiônicos, o que é justificado tanto por atividades domésticas quanto pela falta de utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) pelos trabalhadores nas suas atividades. O acidente escorpiônico caracteristicamente envolve atividades manipulativas de objetos e locais onde se abrigam os escorpiões. EPIs poderiam ser um importante instrumento para evitar os acidentes em ambientes de trabalho, principalmente no ambiente rural.
Dentre as sugestões apresentadas na parte de Resultados, os autores afirmam que a distribuição e o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) ajudariam a reduzir a quantidade de acidentes escorpiônicos. Que equipamentos seriam mais apropriados para isso? Qual seria a melhor forma de implementar isso?
De acordo com o Manual de Controle de Escorpiões do Ministério da Saúde, os EPIs ideais em locais de risco de acidentes escorpiônicos seriam: bota ou sapato fechados, calça comprida, camisa de manga longa com pulso justo, luvas, boné ou chapéu (cabelos longos devem ser mantidos presos). Com os dados desse estudo, o poder público e as empresas já têm elementos que permitem a organização de campanhas educativas sobre o escorpionismo, além da distribuição de EPIs para a população que atua em atividades e áreas mais vulneráveis.
Apesar da queda da letalidade, provavelmente decorrente da melhoria da resposta do sistema público de saúde, o número de casos aumentou. Que perspectivas temos pela frente?
Com o crescimento desordenado das áreas urbanas, a precariedade de saneamento básico, a falta de moradias adequadas, o desmatamento, e até as mudanças climáticas, que facilitam na criação de ambientes favoráveis para a proliferação e o contato das pessoas com os escorpiões, a tendência e perspectivas é o aumento no número de casos de forma progressiva, como tem evidenciado os dados do Ministério da Saúde nos últimos anos. O escorpionismo está aumentando em todo o pais. Em um contexto de aquecimento global, espera-se uma mudança na ecologia dos escorpiões, onde algumas espécies diminuirão e outras, ao contrário, deverão aumentar sua população e área de distribuição. O escorpião amarelo, o mais perigoso e responsável pela maior parte dos acidentes, é uma espécie que está aumentando.
Nosso estudo detectou vulnerabilidades ambientais, que podem vir a se agravar com o aquecimento global, se medidas preventivas não forem tomadas. Daí a importância de uma Vigilância Ambiental atuante, lastreada nas políticas de saúde coordenadas pelo SUS. Se a prevenção é importante, não menos são as atividades de cuidados do Sistema Público de Saúde (SUS) quando ocorrem as picadas, haja vista a diminuição da mortalidade nos últimos anos.
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