Software e modelo matemático aceleram pesquisa de novos medicamentos para tratar a malária
A verificação da capacidade de compostos químicos para tratar enfermidades é um dos aspectos testados para a validação e autorização de medicamentos. É uma etapa essencial para certificar que um princípio ativo em uma determinada formulação cause o efeito desejado. Em geral, usa-se uma progressão de modelos para esses testes, desde culturas em recipientes (in vitro) a modelos animais, as cobaias, para avaliar a segurança e eficácia dos compostos antes de serem testados em humanos. Uma melhoria nesse processo está descrita no artigo Application of Machine Learning in the Development of Fourth Degree Quantitative Structure−Activity Relationship Model for Triclosan Analogs Tested against Plasmodium falciparum 3D7, publicado na revista ACS Omega e assinado pela equipe composta pelo biomédico Railton Marques de Souza Guimarães (São Lucas), o bioinformata Ivo Vieira (UNIR/Fiocruz), o matemático Fabrício Berton Zanchi (CFCAm/UFSB), o químico Rafael Caceres (UFCSPA) e o físico Fernando Berton Zanchi (Fiocruz). O texto relata o desenvolvimento de um modelo matemático para realizar testes de um composto quimico no combate a uma cepa do plasmódio, parasita causador da malária. A investigação contribui em diferentes aspectos da testagem e produção de medicamentos, como os custos de negócio, tempo de desenvolvimento e teste de formulações e compostos químicos e as questões de ética em pesquisa com animais.
O professor Fabrício Berton Zanchi, que atualmente é o decano do Centro de Formação em Ciências Ambientais, explica que o trabalho envolveu o uso de técnicas de aprendizado de máquina (machine learning) para desenvolver um modelo QSAR (Quantitative Structure-Activity Relationship, ou relação quantitativa de estrutura-atividade) de 4º grau. O modelo consegue prever a eficácia de compostos químicos análogos ao triclosan contra a cepa 3D7 do parasita Plasmodium falciparum, causador da malária. "Esse estudo representa um divisor de águas na luta contra este protozoário, ao combinar modelagem matemática com inteligência artificial para aprofundar a compreensão de como diferentes variações na estrutura química do triclosan, ao serem encontradas pelo modelo, podem aumentar sua eficácia no combate ao parasita, contribuindo para o desenvolvimento de tratamentos mais eficientes e com menos tempo para formulação de novos medicamentos".
Conforme o professor Fabrício, apesar da malária ser uma doença tratável e curável, a resistência aos remédios antimaláricos já surge em diversos pontos do globo. Isso faz com que a doença siga na lista dos grandes problemas de saúde pública nas regiões tropicais e subtropicais, com casos ultrapassando 200 milhões e causando mais de 600 mil mortes anualmente, principalmente na África, devido à alta transmissão do Plasmodium falciparum. Nas Américas, Brasil, Venezuela e Colômbia concentraram 80% dos casos, sendo 99,9% das infecções no Brasil registradas na região amazônica. A doença é transmitida pelo mosquito Anopheles, e três espécies do protozoário que circulam no Brasil podem causar malária humana: Plasmodium falciparum, P. vivax e P. malariae.
Ganho de tempo, dinheiro e precisão
Fernando Berton Zanchi, um dos autores do estudo, pontua que, para facilitar o uso desse modelo, foi desenvolvido um sistema que compila o modelo escolhido para cálculo automatizado dos valores de pEC50 – o PlasmoQSAR (https://www.qsar.labioquim.fiocruz.br/). Com ele, os pesquisadores podem prever a capacidade de uma molécula bloquear o patógeno causador da malária antes mesmo de testá-lo in vitro. "Este estudo não somente trouxe resultados completos e promissores, como disponibiliza forma inovadora, aberta e facilmente aplicável por pesquisadores, indústrias farmacêuticas e grupos de pesquisa que queiram desenvolver novos modelos para outras moléculas ou outros problemas. Com esta abordagem, é possível desenvolver novos arranjos matemáticos, adaptando-os para estudos com outras doenças, outras moléculas, estudos com interações em ecossistemas e clima, bem como aplicações variadas de causa e efeito, resultando em processos mais assertivos", destaca o decano do CFCAm, Fabrício Berton Zanchi.
Desafios da pesquisa no Brasil
Os resultados do estudo apontam para outro aspecto, o das dificuldades para realizar ciência de ponta no Brasil, afirma o professor Fabrício Zanchi. "As limitações financeiras, a falta de apoio institucional adequado e a luta diária contra o descrédito mal-intencionado direcionado às Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão geram uma escassez de recursos que impacta diretamente o avanço das pesquisas e desenvolvimento do país. Muitas vezes, o progresso científico não depende apenas da expertise dos pesquisadores, mas também de um esforço coletivo para minimamente competir com universidades e instituições que possuem grandes financiamentos. O apoio do poder público e da sociedade, valorizando e financiando a ciência, é essencial para promover um ambiente favorável ao desenvolvimento científico. No entanto, mesmo diante dessas dificuldades, a ciência do “interior” brasileiro se mantém resiliente e comprometida, produzindo estudos de grande impacto para a sociedade", ressalta.
Um dos exemplos da persistência no cenário científico nacional, o estudo colaborativo reuniu pesquisadores especializados em diversas áreas, como a Biomedicina, Matemática, Física, Química e Ciência da Informação, agregando cientistas da Fiocruz, UFSB e UFCSPA, combinando expertises e recursos. "O PlasmoQSAR é um exemplo claro de como a ciência brasileira, mesmo enfrentando limitações de recursos, pode alcançar avanços notáveis e contribuir de forma significativa para a saúde global. Com mais investimento, poderíamos ampliar ainda mais o alcance e o impacto dessas pesquisas", destaca o professor Fabrício Zanchi.
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