Sequenciamento genético da abelha jataí é descrito em artigo
Com a combinação de técnicas distintas, uma equipe de cientistas conseguiu sequenciar o genoma da abelha jataí, uma das espécies sem ferrão mais abundantes no Brasil e na América Latina, uma contribuição inédita na área da sociogenômica de abelhas. Os achados já permitem definir diretrizes para estudos futuros e aprofundar o conhecimento sobre a espécie, que apesar de ser bem comum ainda não tinha sua leitura genética descrita. O artigo The nuclear and mitochondrial genome assemblies of Tetragonisca angustula (Apidae: Meliponini), a tiny yet remarkable pollinator in the Neotropics foi publicado na revista BMC Genomics e é assinado pelos pesquisadores Rafael Rodrigues Ferrari (UFSB/Academia Chinesa de Ciências), Paulo Cseri Ricardo (USP), Felipe Cordeiro Dias (USP), Natalia de Souza Araujo (Université Libre de Bruxelles), Dalliane Oliveira Soares (UFSB), Qing-Song Zhou (Academia Chinesa de Ciências), Chao-Dong Zhu (Academia Chinesa de Ciências), Luiz Lehmann Coutinho (USP/ESALQ), Maria Cristina Arias (USP) e Thiago Mafra Batista (UFSB). Dos autores, três estão vinculados ao Centro de Formação em Ciências Ambientais, no Campus Sosígenes Costa (CFCAM/UFSB): Rafael Rodrigues Ferrari (autor principal), Dalliane Oliveira Soares e Thiago Mafra Batista (coordenador do estudo).
O pesquisador Rafael Ferrari explica que a sociogenômica é uma área do conhecimento que combina métodos da sociologia e da genômica comparada para entender como o ambiente e o código genético interagem entre si e influenciam o comportamento dos indivíduos: "A sociogenômica das abelhas-sem-ferrão é particularmente interessante porque estes organismos são altamente sociais, diferentemente da grande maioria das espécies de abelhas, que são solitárias. Entender o papel dos processos genômicos no comportamento das abelhas-sem-ferrão pode nos ajudar a esclarecer, por exemplo, por que algumas espécies são mais agressivas ou dóceis que outras".
A pesquisa é resultado de uma parceria com o grupo da professora Maria Cristina Arias, do Instituto de Biociências da USP. "O grupo da professora Cristina havia sequenciado o genoma da jataí utilizando uma tecnologia que gera leituras longas de DNA, porém foi sequenciado com baixa cobertura (cerca de 8x). Sem conhecimento desse trabalho conduzido na USP, nós sequenciamos o genoma da jataí utilizando uma tecnologia distinta, que gera leituras curtas, e alcançamos alta cobertura (cerca de 161x). Este sequenciamento foi realizado no Laboratório de Genômica Funcional da ESALQ, coordenado pelo professor Luiz Lehmann Coutinho. Firmamos uma produtiva parceria, combinamos os dados de sequenciamento (tanto de DNA quanto de RNA) e conseguimos montar e anotar um genoma de alta qualidade, com aproximadamente 284 milhões de pares de base e 17.458 genes codificadores de proteínas", detalha o professor Thiago Mafra Batista.
O trabalho foi conduzido pelo cientista Rafael Ferrari, bolsista de pós-doutorado apoiado pela Veracel, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais (PPGCTA) e supervisionado pelo professor Thiago Mafra Batista. As análises de bioinformática foram realizadas no servidor “Chapolin”, adquirido com recursos da parceria com a Suzano.
O estudo desenvolvido pelos cientistas articulou abordagens diferentes para o sequenciamento. Conforme o professor Thiago, usou-se a chamada “montagem híbrida”, combinando a abordagem chamada HIFI (do inglês High Fidelity, ou Alta Fidelidade), que gera leituras longas (fragmentos de DNA com 10 mil pares de bases, em média), com outra que gera leituras curtas (fragmentos de DNA com 300 pares de base). "Combinamos estes dois tipos de dados e utilizamos diferentes algoritmos bioinformáticos para montarmos o genoma completo de jataí. Além disso, utilizamos dados do sequenciamento do transcriptoma (que é o conjunto de todos os RNAs produzidos por uma célula) de três diferentes estágios de vida da abelha (larvas, nutrizes e forrageiras) para guiar os softwares que identificam os genes codificadores de proteínas no genoma. Isso nos permitiu identificar um grande número de isoformas gênicas".
A pesquisa que resultou no artigo está ligada a um Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) firmado entre a UFSB, a Veracel Celulose (23746.001092/2022-30) e a Suzano Papel e Celulose (23746.009802/2021-88). No âmbito dessa parceria, intitulada “Genômica de abelhas-sem-ferrão da Mata Atlântica”, temos como objetivo sequenciar e analisar o genoma de espécies de abelhas-sem-ferrão de importância ecológica e comercial, com destaque para a região sul da Bahia. O genoma da jataí foi o primeiro resultado dessa colaboração, que também envolve pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências, da USP e da ESALQ. "Atualmente, estamos analisando o genoma da Melipona scutellaris, conhecida popularmente como uruçu-nordestina, uma abelha de grande relevância para a meliponicultura baiana", adianta o professor Thiago Mafra.
Uma espécie generalista
Conhecer o genoma da abelha jataí é uma vantagem que vai além do acúmulo de saber especializado. O professor Thiago conta que a partir desses dados será possível agir em diversas frentes, em termos da economia, das formulação de políticas de conservação e do desenvolvimento de ferramental de pesquisa genômica. "O sequenciamento do genoma é um passo relevantíssimo para o avanço no nosso conhecimento acerca dessa importante espécie de abelha. Em termos econômicos, espera-se que no futuro possamos identificar a ausência/presença de genes responsáveis pela defesa contra microorganismos patogênicos (como vírus e bactérias) e, portanto, pela manutenção da saúde das abelhas. Vários estudos científicos já demonstraram que abelhas-sem-ferrão mais saudáveis apresentam maior produtividade de mel por colônia. O sequenciamento do genoma também nos permitirá acessar, com precisão, a real variabilidade genética da jataí, o que por sua vez possibilitará a detecção de populações geneticamente distintas que requerem atenção especial por parte dos conservacionistas".
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