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Cientistas defendem que projetos de recuperação da Mata Atlântica incluam atenção com fauna dispersora de sementes

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Quinta, 24 de Novembro de 2022, 09h55 | Última atualização em Quinta, 24 de Novembro de 2022, 11h30 | Acessos: 2572

florestas do sul da bahia foto Luiz FS MagnagoA maior parte das 34 espécies arbóreas ameaçadas de extinção na Mata Atlântica do Sul da Bahia depende fortemente da dispersão de sementes por aves, primatas e roedores para a recomposição natural de suas populações. Por isso, iniciativas que visem a recuperação florestal devem combinar estratégias de plantio de mudas e para preservação e reposição da fauna. Essa é o principal ponto do artigo A importância das interações entre plantas e animais para a manutenção das espécies arbóreas ameaçadas no sul da Bahiaassinado por Beatriz Alves Lins (discente do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Sul da Bahia), Rute Maria Gonçalves (Universidade Federal do Sul da Bahia) e pelo professor Luiz Fernando Silva Magnago (Centro de Formação em Ciências Agroflorestais, UFSB) e divulgado na revista científica Paubrasilia, da UFSB.

A investigação foi embasada no período de Beatriz como bolsista de Iniciação Científica, durante o Bacharelado Interdisciplinar em Ciências, junto ao professor Luiz Fernando Silva Magnago no projeto Conservation of Atlantic Forest endangered tree species in southern Bahia, Brazil  financiado  pela  Franklinia Foundation. Beatriz participou da pesquisa com a bolsa de IC CNPq 181180/2021-9.

O artigo detalha a importância das relações mutualísticas entre árvores da Mata Atlântica e espécies animais que se alimentam dos frutos para a composição florestal. Não é por menos: a diversidade de espécies é tamanha que o recorde de plantas lenhosas por hectare é dessa formação florestal, com 20 mil espécies vegetais e dessas, 8 mil são endêmicas, isto é, só ocorrem na sua área de abrangência. A essa intensa variedade de espécies é que se deve a capacidade de oferecimento de serviços ecossistêmicos da Mata Atlântica: provisão de água e alimentos, regulação (degradação de solo, seca, inundações e polinização), suporte (ciclagem de nutrientes e formação do solo) e culturais, como atividades de lazer, turismo e religião. Apesar de ser tida um hotspot de biodiversidade, a Mata Atlântica apresenta alto grau de fragmentação florestal e de perda de espécies.

 

Fauna e flora interdependentes

sementes 01A porção da Mata na região Sul da Bahia abriga as florestas mais diversas em espécies arbóreas no planeta, tendo mais de 500 espécies de árvores endêmicas. Conforme os autores, sabe-se que cerca de 75% das espécies arbóreas da região dependem da fauna local para a dispersão das sementes. É por isso que a ruptura das interações entre os vegetais e os animais que ajudam a espalhar as sementes, causada pelo fenômeno da defaunação (extirpação de animais em diferentes escalas de espaço), pode levar à extinção local ou regional de espécies de árvores, no longo prazo.

Devido ao alto grau de endemismo, com muitas espécies vegetais que só existem ali, e aos altos níveis de fragmentação e desmatamento, diversas espécies arbóreas encontradas na região sul da Bahia estão sob algum grau de ameaça. Esse fator, aliado à perda de animais dispersores de frutos e sementes, compromete e aumenta o risco de extinção das espécies.

Os autores explicam que ainda há poucos estudos sobre a ecologia da interação planta-animal entre as espécies arbóreas endêmicas ameaçadas e a fauna do Sul da Bahia. Por isso, para a pesquisa descrita no artigo, os cientistas mediram o diâmetro das sementes e estudaram o tipo de dispersão (se são sementes dispersas pela fauna ou dispersas de maneira ábiotica – por exemplo, pelo vento) de 38 espécies arbóreas ameaçadas de extinção da região. “Esses dados do tamanho das sementes e seu tipo de dispersão são cruciais para entender as possiveis relações mutualísticas entre espécies arbóreas com seus dispersores", explica Beatriz Lins.

Oaraçari fauna dispersoras resultados encontrados apontam que 82% das espécies arbóreas encontradas na região são dispersas por animais, com sementes de diâmetro médio de 16,89 milímetros e que os principais dispersores são aves, como o araçari, primatas e roedores, como as pacas. Há relação entre o tamanho da sementes e a dimensão máxima de uma espécie de árvore, assim, sementes maiores geram vegetais maiores. Por sua vez, sementes maiores tendem a ser dispersas por animais de certo porte, cujas gargantas permitam a ingestão da semente durante a alimentação.

Assim, as análises revelaram forte relação entre espécies de árvores ameaçadas de extinção no Sul da Bahia e espécies animais dispersoras de sementes. Os autores afirmam que a defaunação de grandes dispersores de sementes é mais um fator a ser agregado às ameaças que já são ligadas às espécies da Mata Atlântica na região. A pesquisadora Beatriz Lins ressalta que “na ausência dos dispersores, estas espécies arbóreas, já ameaçadas de extinção, podem reduzir o seu recrutamento nas florestas, causando ainda maiores declínios populacionais ao longo do tempo".

 

Resultados e desdobramentos da pesquisa

Os autores do artigo sugerem que as interações entre essas espécies de árvores e animais sejam consideradas nas tomadas de decisões sobre manejo e conservação, principalmente para elevar o grau de ameaça de espécies arbóreas. Desta forma, os autores do estudo ressaltam que além de focar na produção de mudas para projetos de restauração florestal, tem que se pensar no grau de  defaunação das áreas em que essas espécies estão sendo plantadas, para que assim o sucesso futuro dessas espécies seja garantido. 

O professor Luiz Fernando Silva Magnago, um dos autores do artigo, explica que em termos de políticas, essa inclusão do cuidado com a fauna já encontra previsões em documentos internacionais e requer atenção para o que se sabe dos processos. "Um dos objetivos da Convenção da Diversidade Biológica é o de aumentar, em planos de restauração florestal, o uso de espécies ameaçadas de extinção. O nosso estudo mostrou que, sem a interação com a fauna, a maior parte dessas espécies não se autossustentaria ao longo do tempo. Como a reintrodução da fauna é ainda um processo pouco conhecido, devemos priorizar o plantio dessas espécies em áreas próximas a florestas já existentes e com a presença de espécies da fauna dispersora de sementes", detalha o professor Magnago.

Para a doutoranda Rute Maria Gonçalves, co-autora do artigo, uma medida útil para incluir o cuidado com o desfaunamento na recuperação florestal consiste em aprimorar as listas de espécies arbóreas ameaçadas: "A ideia é que essas espécies ameaçadas, que dependem dos animais para sua dispersão, tenham seus nomes incluídos nas listas voltadas para restauração e sejam divulgadas. E que, em grau de prioridade, se dê maior atenção àquelas espécies com as maiores sementes".

Para a continuidade do processo formativo de Beatriz, o rumo de pesquisas na Engenharia Florestal está já direcionado para essa linha de investigação científica. Com a renovação da bolsa de Iniciação Científica do CNPq, a intenção é aprofundar ainda mais no tema. "Vou trabalhar com dados de inventários florestais realizados ao longo de 3 anos nas áreas da empresa Veracel. Com esses dados vou pesquisar a estabilidade da diversidade funcional (diversidade de funções que as espécies possuem em seus ecossistemas) com as espécies arbóreas da Mata Atlântica, assim como a importância dessa diversidade na manutenção dos estoques de carbono das florestas. Com essa pesquisa conseguiremos aprofundar sobre a questão da importância das interações planta-animal, pois agora trataremos também com um tema de interesse mundial, o estoque de carbono. Acreditamos que esse resultado poderá contribuir significativamente para os projetos de conservação e reflorestamento que visam participar dos programas de crédito de carbono", avalia Beatriz.

O estudo publicado traz dados relevantes para dois projetos aos quais a equipe do professor Luiz Fernando Magnago está vinculada. Ele conta que se trata dos projetos Conservation of Atlantic Forest's endangered tree species in southern Bahia, Brazil (Financiado pela Franklinia Foundation) e Quantificação e monitoramento dos serviços ecossistêmicos em áreas de restauração da RRPN Estação Veracel (Financiado pelo CNPq/Veracel). "Os resultados desse artigo são essenciais para os dois projetos, já que para o primeiro, temos que entender a ecologia das espécies ameaçadas de extinção para seu uso apropriado em planos de restauração. Para o segundo, é imprescindível entender os processos de dispersão para melhor valorar os serviços ecossistêmicos providos por ecossistemas florestais na região Sul da Bahia".

No caso do projeto relacionado à Veracel, a cientista Rute Maria Gonçalves conta que sua tese no doutorado segue o mesmo escopo: "Em um dos capítulos da tese estamos investigando qual a relação das caracteristicas das espécies arbóreas (tipo de dispersão, tipo de fruto) com o estoque de carbono junto às florestas restauradas pela Veracel. Precisamos ressaltar tamanha é a importância da conexão entre plantas e animais para que os mais diversos atores da sociedade, inclusive pequenos produtores, assentados, crianças e outros contribuam para a sua manutenção. O impacto da pesquisa científica nos permitirá levar até a base da sociedade essas informções com qualidade", detalha a pesquisadora.

 
 
Com fotos por Luiz Fernando Silva Magnago e Rodrigo Rosa 
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