Pesquisa relaciona variação nos usos do solo e perdas ambientais no sul da Bahia
O aparente dilema entre a variedade de atividades produtivas e a preservação de recursos naturais tem sua base na falta de conhecimentos sobre as relações entre os processos ecológicos, econômicos e sociais e pode ser resolvido com inteligência e vontade política. Essa é a conclusão de uma pesquisa realizada por cientistas sobre o uso do solo e os impactos ecológicos no Sul da Bahia. Publicado na edição 66 da revista Journal of Nature Conservation, o estudo Landscape Transformations and loss of Atlantic Forests: challenges for conservation é assinado por Escarlett de Arruda Ramos, Felipe Micali Nuvoloni e Elfany Reis do Nascimento Lopes, vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais (PPGCTA) do Centro de Formação em Ciências Ambientais (CFCAM). Os estudos foram desenvolvidos no Laboratório de Geoprocessamento e Gestão Costeira (LabGGeC) e no Laboratório de Ecologia e Genômica Ambiental (LEGAM), ambos na UFSB.
Escarlett, Felipe e Elfany trabalharam com bases de dados referentes a 34 anos de mudanças na Mata Atlântica no Sul da Bahia (fotos dos acervos pessoais).
As perguntas que os cientistas quiseram responder no estudo eram: Quanta vegetação nativa se perdeu na área mais conservada da Mata Atlântica na Bahia com políticas de desenvolvimento econômico, qual categoria econômica e antropogênica causou a maior perda de área florestal, e onde se situam os ganhos e as perdas na área da floresta. Com essas questões, o intuito foi saber quais atividades produtivas causaram os maiores impactos na Mata Atlântica, de modo que se possa localizar em que pontos da região o avanço de um ou outro ramo econômico está ligado a prejuízos na conservação de florestas nativas e nos serviços ecossistêmicos associados a elas, como o fornecimento de água e a integridade e a fertilidade dos solos, dentre outros.
A pesquisa consistiu no levantamento de atividades desenvolvidas nos municípios da região a partir de mapeamentos do uso do solo no Sul da Bahia, fazendo um recorte dos dados obtidos pelo projeto Mapbiomas a partir de classificação de imagens feitas pelo satélite Landsat, gerido pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos e oferecido no Brasil via Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). A esses dados, referentes ao período de 1985 até 2019, os pesquisadores aplicaram o Índice de Transformação Antropogênica (ATI), que se refere ao grau de mudança que a ação humana provoca em um dado espaço. O trabalho incluiu também procedimentos de tabulações espaciais e cruzadas das transições do uso do solo e das dinâmicas de ganhos e perdas de cobertura da Mata Atlântica, bem como análises estatísticas em busca de padrões temporais de uso do solo.
Da mata nativa à plantação de eucalipto
As conclusões do estudo identificaram 18 categorias de uso de solo no território no período de 34 anos, sendo que as mais presentes são as formações florestais naturais, as florestas de eucalipto para a indústria de celulose, as pastagens para criação de gado e os mosaicos de plantações e pastagens. A atividade antropogênica, isto é, a ação modificadora do ser humano na paisagem, foi verificada em 58% da área em estudo. No âmbito local, apesar de ocuparem menores extensões na região sul da Bahia, a mineração e a aquicultura geram impactos na gestão de recursos hídricos.
A tendência de substituição das áreas florestais nativas por espaços cultivados para agricultura e pecuária, vigente desde os tempos do Brasil Colônia, é um dos principais fatores de deterioração das fontes de água, ao lado da expansão da malha urbana. Embora importantes para o desenvolvimento da economia regional, essas atividades geraram em contraponto os seus efeitos na poluição de rios e córregos e na eliminação de mata ciliar, por exemplo. Em alguns municípios, pela falta de assistência técnica e de acesso a conhecimento e tecnologias mais atuais, os prejuízos são ainda maiores. Outro padrão revelado pela pesquisa aponta para a sucessão de áreas de matas nativas para a pecuária, depois para uma combinação de agricultura e pecuária e, mais recentemente, uma troca da agropecuária para o plantio de eucalipto.
Cada substituição de atividade antrópica (feita pelo ser humano) provoca impactos no ambiente. O desmatamento tende a alterar o fornecimento de água, por afetar os fluxos dos rios e dos lençois freáticos e também os processos de evapotranspiração, pelos quais as árvores contribuem para a manutenção e o fluxo de umidade na atmosfera, com ligação importante com o regime de chuvas na região. O uso de incêndios e a consequente redução das espécies animais selvagens, muitas delas inclusas nas listas de fauna ameaçada de extinção, são outros fatores de degradação ambiental. Mais calor, menos chuva, menos condições de preservação de fauna e flora nativas e mesmo a introdução de espécies exóticas provocam novos problemas que desafiam setores produtivos e as populações urbanas.
É por esses efeitos que uma métrica obtida no estudo chama a atenção. A perda de floresta nativa da Mata Atlântica no Sul da Bahia ao longo dos 34 anos chegou aos 328.598 hectares, indicando uma média anual de degradação ambiental significativa. "Não podemos acreditar e achar que perder 10.000 hectares de floresta por ano é uma normalidade", defende o professor Elfany dos Reis Nascimento Lopes, um dos autores do artigo. Para ele, o processo de reversão do quadro requer decisão de proteger, ou seja, conservar e fiscalizar o uso dos recursos naturais, ao reforçar a importância do ICMBio como espaço de gestão de unidades de conservação e da necessidade de expandir a criação de unidades de conservação (UCs) públicas e privadas, "Na região tem sido crescente o número de RPPNs, uma categoria de UCs criada pela esfera privada e que tem ajudado a conservação de áreas naturais. Um exemplo disso é a RPPN Rio do Brasil, situada em Porto Seguro, no distrito de Trancoso. Também é preciso reforçar que não é só criar, mas prover caminhos para sua funcionalidade, dentre elas, a elaboração do plano de manejo dessas áreas, visando ampliar o conhecimento da biodiversidade regional", detalha o pesquisador.
O que fazer
A reflexão que a pesquisa favorece é a de que é preciso reforçar a fiscalização e o cumprimento da legislação ambiental no Sul da Bahia. O professor Elfany lista algumas ações possíveis nessa direção: "a fiscalização, considerando que essa área apresenta bases ambientais do IBAMA e do ICMBIo, além da CIPPA; a participação social com a integração de atores sociais de interesses na conservação e preservação dos recursos naturais, incluindo a valorização dos conselhos municipais com representação ampliada dos segmentos sociais". Ele argumenta que nos últimos quatro anos a agenda ambiental foi desmontada, com diversas políticas públicas e normativas descontinuadas e descaracterizadas, favorecendo o impulso de degradação da Mata Atlântica na região. Por isso, a retomada do esforço de conservação requerque se inicie um processo de diálogo sobre como ampliar e criar novos formatos de fiscalizar e monitorar. "Infelizmente, as instituições responsáveis estão precarizadas pela agenda política atual. Faltam técnicos, instrumentos, condições e formação para dar conta do processo de fiscalizar um país com dimensão continental", avalia o professor Elfany.
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