Estudo descreve indicadores e percepções de idosos sobre qualidade de vida no extremo sul baiano
A ideia que os indivíduos acima de 60 anos fazem de suas condições de vida e do que entendem ser uma vida com qualidade deve ser averiguada e considerada para o aprimoramento de políticas públicas para essa faixa etária. Essa é a conclusão de artigo publicado em português e inglês, fruto de monografia defendida por Silas dos Santos Marques, em 2019, junto à Especialização em Saúde Coletiva da UFSB, Campus Sosígenes Costa. O artigo intitulado Uma análise de conteúdo sobre a percepção da qualidade de vida entre idosos residentes em um município sul baiano: Estudo Qualitativo, publicado na Revista Pesquisa em Fisioterapia, é também assinado pela orientadora de Silas na especialização, professora Lina Faria, e pelo co-orientador, professor Cristiano da Silveira Longo.
O foco do estudo, parte da pesquisa feita por Silas na graduação, é avaliar a percepção de indivíduos idosos sobre o significado do envelhecimento em um município sul baiano e verificar associação entre as variáveis sociodemográficas e de saúde e a percepção da qualidade de vida. Isso porque o perfil demográfico mundial indica que as pessoas estão vivendo mais tempo, o que provoca o interesse a respeito do envelhecimento e no que consiste o bem viver nessa fase do ser humano.
Em sua pesquisa, Silas realizou um estudo transversal, descritivo, com abordagem qualitativa, entrevistando 25 idosos no período entre março e maio de 2019 com base em um questionário sociodemográfico e um roteiro de entrevista semiestruturada, que foi gravada, transcrita e analisada mediante a Análise de Conteúdo. A amostra escolhida é não-probabilística e contou com idosos com idade mínima de 60 anos que foram abordados nas salas de espera das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Grupos de Qualidade de Vida, atendidos pela equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) do município. Por questões relacionadas à ética em pesquisa, diversos dados que identifiquem os participantes não podem ser divulgados.
Após entrevistar, transcrever e analisar, emergiram três categorias centrais: “Percepção sobre o processo de Envelhecimento”; Percepção sobre Qualidade de Vida” e “Motivos para satisfação com a Qualidade de Vida”. Essas categorias indicaram associação entre saúde, qualidade de vida, autonomia e boas relações familiares e sociais. Evidenciou-se que os idosos percebem e vivem de maneira ativa e entendem a autonomia como um desafio a ser enfrentado. Dentre os resultados, os autores identificam a importância de saber, a partir dos idosos, como eles percebem o seu processo de envelhecer, seus problemas de saúde, suas relações sociais e familiares e o que identificam como sendo qualidade de vida. Esse conhecimento é importante para o desenho de políticas públicas que permitam pensar as estratégias de cuidado dos idosos para além do foco nas doenças, incentivando outras ações que beneficiem essa fatia da população nas outras dimensões do bem viver.
Os autores comentam os resultados em breve entrevista para a ACS.
A literatura apresentada na pesquisa indicou que existe uma preocupação dos pesquisadores de diferentes áreas em entender bem o que seja qualidade de vida para idosos para além do bem estar físico. Essa noção é percebida no desenho de políticas públicas para aquela faixa etária?
A qualidade de vida pode englobar aspectos tais como: nível socioeconômico; estado emocional; interação social; atividade intelectual; valores culturais; estilo de vida; satisfação com atividades diárias e ambiente onde o idoso vive. Pensar no indivíduo idoso perpassa as barreiras das ciências saúde como anatomia, fisiologia, doença e doente, e coloca em destaque a necessidade de se praticar o conceito ampliado de saúde. Essa visão presente na formação em saúde da UFSB e discutida pela Saúde Coletiva, tem ampliado os espaços de discussão. O Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741/2003, capítulo V, em seu artigo 22 indica a importância de que os currículos nos diversos níveis de ensino formal, contemplem conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, com objetivo de produzir conhecimentos sobre o tema do envelhecimento, criando oportunidades para melhoria da qualidade de vida. Contudo, embora as orientações previstas no Estatuto do Idoso e na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa continuem pertinentes nos dias atuais, poucos são os investimentos em políticas públicas de atenção à saúde do idoso.
O que a aposentadoria significou para os idosos entrevistados?
A aposentadoria é um momento de mudanças nos aspectos sociais, emocionais e nutricionais dos idosos e que repercutem de forma positiva ou negativa conforme os significados que lhe são atribuídos. No caso específico dessa pesquisa, a vida financeira esteve em muitas falas atrelada à saúde e como um fator que dificulta o “viver” e o autocuidado, relatos como “não posso trabalhar, não tenho recurso”, ou “Trabalhei muito, me acabei, me desgastei”. A sensação de não poder produzir torna-se um fardo para muitos desses indivíduos. Algo que merece ser acompanhado mais de perto e com mais cuidado pelos órgãos competentes.
Em termos de políticas públicas, quais seriam os focos que poderiam melhorar a qualidade de vida e as percepções sobre isso dos idosos?
Na perspectiva do envelhecimento ativo, é necessário que haja oportunidade para que o indivíduo idoso exerça o máximo de suas potencialidades com segurança física, mental e social. A saúde deve ser vista a partir de uma perspectiva ampla, resultado de um trabalho intersetorial e transdisciplinar de promoção de modos de vida saudável em todas as idades. Cabe aos profissionais da saúde debaterem ações que se traduzam em políticas públicas nos desafios do processo de envelhecimento.
Apesar das vulnerabilidades evidentes dessa faixa etária, as fragilidades não têm sido suficientes para que governos priorizem políticas humanitárias e de proteção social, que respeitem a saúde, a vida e os direitos sociais dessa população. Importante destacar que a saúde é afetada ao longo da vida pelas características do contexto social, que geram desigualdades, iniquidades, fragilidades e vulnerabilidades. São, em especial, os determinantes sociais que interferem no bem-estar, na independência funcional e na qualidade de vida dos idosos, mas geralmente esses determinantes sociais são desconsiderados nas agendas de políticas públicas.
Há previsão de novos estudos nessa linha?
Há previsão, afinal, as características desse quadro de fragilidade se fazem sentir com maior intensidade em países de dinâmica demográfica tardia, com proporções crescentes de expectativa de vida, como o Brasil. O prolongamento do tempo de vida tem suscitado inúmeros questionamentos acerca da compreensão dos processos de envelhecimento nas sociedades atuais. Esse aumento da expectativa de vida exige novas formas de cuidado e de modelos de atenção à saúde. Cabe-nos propor ações voltadas para as necessidades sociais da população idosa, que contribuam para elevar a autoestima, o senso de coerência e a funcionalidade.
No contexto da pandemia, a saúde da pessoa idosa ganha maior atenção. Importante discutir a saúde do idoso à luz da produção científica sobre a COVID-19, pautando-se em indicadores epidemiológicos, clínicos, políticos e sociais, considerados estruturantes do cuidado no processo de envelhecimento.
Redes Sociais