Artigo mostra revisão da presença de camarões do gênero Palaemon no Brasil e método inovador para identificação
Uma das dificuldades permanentes na área da Carcinologia (ramo da Zoologia que estuda crustáceos, como camarões, caranguejos e lagostas, por exemplo) pode ter sido resolvida por pesquisadores brasileiros. O artigo A molecular and morphological approach on the taxonomic status of the Brazilian species of Palaemon (Decapoda, Palaemonidae), assinado pelos cientistas Fabrício Lopes Carvalho (UFSB), Célio Magalhães (INPA) e Fernando L. Mantelatto (USP) e publicado na revista Zoologica Scripta, da Norwegian Academy of Science and Letters e da Royal Swedish Academy of Sciences, apresenta uma proposta para facilitar a identificação de espécies de camarões do gênero Palaemon existentes no Brasil e confirma a existência de nove espécies, pertencentes a duas linhagens. O trabalho realizou uma abordagem interdisciplinar dentro da Biologia, integrando a análise morfológica dos animais à análise molecular de fragmentos do DNA de cada espécie.
Essa identificação e, em consequência disso, a localização geográfica dessas populações, são bastante complicadas quando o tema da pesquisa é o gênero Palaemon, um dos mais abundantes no país. As características morfológicas, isto é, a aparência de caracteres físicos nas espécies desse gênero, são tão variáveis que favorecem a identificação errada. Isso tem consequências na área de estudo e prejudica projetos de conservação e de aproveitamento comercial e sustentável.
Quem vê só "cara" nem sempre identifica o camarão
O professor Fabrício Lopes de Carvalho, que lidera o Grupo de Pesquisa em Carcinologia e Biodiversidade Aquática (GPCBio) na UFSB, explicou a relevância do gênero Palaemon: "Os camarões desse grupo pertencem à família Palaemonidae, a mais abundante e com maior número de espécies nos rios do continente americano e inclui espécies importantes para a pesca e aquicultura, como o pitu, o camarão da amazônia, entre outras. O trabalho confirmou a presença de nove espécies de camarões do gênero no país, pertencentes a duas linhagens: a linhagem "Palaemon", que inclui Palaemon mercedae, P. argentinus, P. octaviae, P. northropi e P. paivai, e a linhagem "Alaocaris", compreendendo P. carteri, P. ivonicus, P. pandaliformis, P. yuna.
O caso é que características desses crustáceos que tradicionalmente eram analisadas pelos carcinólogos não estavam sendo suficientes para sanar alguns enganos na identificação das espécies. O rostro, que é a parte frontal da carapaça do camarão, é analisado quanto à sua forma, extensão e denticulação, por exemplo. "Alguns dos caracteres geralmente utilizados na identificação das espécies de Palaemon são reconhecidamente muito variáveis. Isso gera uma sobreposição nas características encontradas entre as espécies justamente nesses caracteres utilizado na separação, resultando em falhas de identificação para pesquisadores que não estão muito familiarizados com a variação encontrada nesse grupo", explica o professor Fabrício.
Rostro, ou porção anterior da carapaça, nas nove espécies analisadas: é a porção dentada no alto da cabeça do camarão
Saber com qual camarão se está trabalhando é fundamental para qualquer estudo ou iniciativa. "Se não sabemos com qual espécie estamos lidando não podemos interpretar adequadamente os padrões biológicos, propor medidas de conservação que sejam efetivas para proteger toda a nossa biodiversidade ou utilizar o potencial dessa biodiversidade de forma sustentável", argumenta o professor Fabrício.
A saída foi aprimorar a tradicional análise da morfologia dos camarões, incluindo a verificação das estruturas sexuais masculinas, uma opção inovadora. Conforme o professor, "estudos anteriores indicavam a dificuldade em encontrar características morfológicas que auxiliassem na identificação segura das espécies desse grupo de camarões. Dessa forma, nós optamos por incluir análise das estruturas sexuais masculinas utilizando microscopia eletrônica de varredura e os resultados encontrados mostram que essas estruturas de fato são úteis na distinção entre as espécies". Esses dados foram combinados com os resultados de análises moleculares das amostras.
Imagens obtidas com microscópio eletrônico das estruturas sexuais masculinas das nove espécies. A diferença é mais perceptível.
O material com o qual os autores trabalharam compreende algumas amostras coletadas recentemente no Brasil e outras consultadas em material da fauna brasileira depositada em museus do Brasil, Costa Rica, Estados Unidos, México, Reino Unido, Alemanha, França e Áustria. Algumas das consultas foram feitas em visitas técnicas apoiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2016 e 2017, e serviram para complementar o estudo que iniciou em 2011, durante o doutorado do professor Fabrício na Universidade de São Paulo.
O trabalho confirmou a presença das duas linhagens do gênero Palaemon que existem no Brasil, sendo que a espécie Palaemon octaviae foi registrada pela primeira vez no Brasil. A possibilidade de espécies ainda não descritas também é mencionada no texto, indicando que mais pesquisas devem ser feitas nesse tema. A metodologia também permitiu indicar que a espécie Palaemon ritteri não tem ocorrência no litoral brasileiro, corrigindo relatos presentes em estudos anteriores.
Dessas nove espécies do gênero no Brasil, duas ocorrem no Sul da Bahia: Palaemon pandaliformis e Palaemon northropi. O professor Fabrício explica que os camarões do gênero Palaemon são popularmente denominados de camarões-fantasma, especialmente pelos aquariofilistas. Esses animais são importantes na teia alimentar e na ciclagem de nutrientes, e algumas espécies são usadas por pescadores artesanais para venda ou na alimentação para sua própria subsistência.
A família Palaemonidae contém as principais espécies de camarões de água doce de cultivo comercial em pequena ou grande escala no mundo. "Embora as espécies estudadas não tenham esse potencial comercial, elas servem de modelo para estudos que podem ser generalizados para as outras espécies já comercialmente utilizadas. Vale lembrar que ainda conhecemos muito pouco da nossa diversidade biológica e os potenciais serviços e produtos que ela pode fornecer no futuro. De qualquer forma, conhecer adequadamente as nossas espécies é fundamental para futuros estudos nesse sentido", complementa o professor Fabrício.
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