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Entrevista com Isabella Silva

Escrito por Malu Carvalho | Publicado: Terça, 12 de Março de 2019, 14h55 | Última atualização em Terça, 12 de Março de 2019, 14h57 | Acessos: 6642

Entrevista com Isabella Silva – mestranda do PPGER/CJA, professora de História e militante.

 

IzabelaACS: Ser trans é assumir uma posição política? Por quê?

Sim. Trata-se de movimentar lutas por dignidade em muitos aspectos. Essas lutas não estão isoladas em minha trajetória, mas é um processo de rompimento com estigmas de inferioridade e exclusões ainda extremamente fortes.

 

ACS: Você pode explicar o que é transfeminismo? Você se considera transfeminista?

O transfeminismo é um movimento que surge com as mulheres trans em luta por visibilidade e igualdade de gênero enquanto mulheres diante das suas próprias especificidades, pois a cisheteronormatividade de inúmeros movimentos feministas não reconhece e nem acolhe as mulheres trans como mulheres, pois há sempre camadas de questionamentos sobre a “legitimidade” do corpo dessa mulher trans enquanto mulher. Essa exclusão é uma violência cisheteronormativa e é muito séria, pois são camadas de ordens do machismo impregnadas em inúmeras feministas, o que estampa a não existência da sororidade verdadeira dessas feministas.

 

ACS: Na sua opinião, ainda há discriminação das pessoas trans nos movimentos feministas? As feministas são transfóbicas?

Sim. O machismo é tão forte que muitas feministas nem percebem. As atitudes cisteronormativas que questionam aspectos biológicos das mulheres trans, a exemplo: “o que está entre as pernas das mulheres trans”, é um fator que estampa essa inquietação e movimenta ainda mais preconceitos e exclusões da legitimidade dos corpos das mulheres trans enquanto mulheres.

 

ACS: Sabemos e lamentamos que os índices de violência contra as pessoas trans no Brasil são os mais altos do mundo. Quais são as formas mais comuns de expressão do preconceito e da violência de gênero contra as mulheres trans no cotidiano?

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, principalmente mulheres, chegando a quase 40% da população mundial. Desse modo, existe uma dívida histórica e social do Brasil para com essas pessoas que incide em vários espaços formais e informais, a exemplo, na família, nos espaços escolares, mas, principalmente, no mercado de trabalho formal. A expectativa de vida de uma mulher trans no Brasil é de 36 anos de idade; isso, para mim, somado à taxa de homicídios que citei logo acima, é uma aflição diária, afinal, vou fazer 32 anos e é impossível não ficar pensando que a qualquer momento eu posso ser a próxima. Das várias violências que vivi, posso citar, com certeza e provas materiais, violência institucional, tanto na educação quanto na saúde. Desse modo, não posso esquecer a exclusão no mercado de trabalho formal, que é mais forte que eu imaginava, pois, atualmente, não consigo trabalho como professora em escolas e faculdades particulares por causa do preconceito. Ainda preciso da ajuda dos meus pais para me manter com o mínimo de dignidade, pois dou aula em uma escola apenas e com horário extremamente reduzido. O fato de não ser concursada na educação, a cada dia que passa, me empurra para o mercado informal autônomo. O pior é que muitas pessoas relativizam essa realidade, naturalizando-a com a realidade e condição de inúmeras pessoas cisheteronormativas que pertencem a outras minorias políticas. É urgente cotas em concursos públicos para pessoas trans.

 

ACS: Como você avalia a discussão sobre transgeneridade nos meios acadêmicos? 

Existe um aproveitamento dos corpos trans para promoções e visibilidade das universidades do meio acadêmico. É necessária a discussão, mas a prática de reparações não acontece, por exemplo, no mercado de trabalho formal. Apenas se mantém um ciclo vicioso de explorações.

 

ACS: Há alguma articulação política entre as pessoas trans em Itabuna? Você faz parte de algum grupo ou movimento de pessoas trans em Itabuna? Se sim, pode contar um pouco como tem sido essa experiência?

Sim, existe a ONG Grupo Humanus, em Itabuna, com a qual tento contribuir voluntariamente, orientando pessoas trans, tirando dúvidas sobre questões relacionadas à documentação civil e saúde pública. Também estou coordenadora técnica do primeiro cursinho Pré-Enem Trans + da UFSB, que tenta, através da educação, preparar pessoas trans e aliadas para o ingresso no ensino superior. Com relação à ONG, posso afirmar que tenho parcerias que me ajudaram muito no meu processo de afirmação como mulher. Sobre o cursinho, sofri muita violência institucional, comprovada, inclusive, no mestrado do qual ainda faço parte. Com relação às violências que sofri, todas foram apresentadas formalmente, documentadas, e a universidade não fez absolutamente nada para reparar, muito menos para me proteger delas. Pelo contrário, existe sempre o ato de “relevar” de forma dissimulada essas violências por parte da UFSB e ainda sofro pressões também dissimuladas por não aceitar tais violências, o que mostra que a universidade, além de despreparada, não tem qualquer compromisso verdadeiro com os corpos trans. Por exemplo, sobre o cursinho que citei logo acima, as aulas já terminaram e não houve um trabalho de visibilidade nas grandes mídias. Somos vitrine para a UFSB apenas quando convém.

 

ACS: Que referências você considera importantes para que as pessoas compreendam mais a transgeneridade?

São muitas. Vou citar apenas cinco mulheres trans e um homem trans por quem tenho imensa admiração no âmbito acadêmico, mulheres e homem que têm vários trabalhos publicados e continuam movimentando críticas e reflexões científicas.

Viviane Vergueiro (doutoranda da UFBA).

Amara Moira (Doutora e escritora em São Paulo)

Dodi Leal (Docente da UFSB)

Fran Demétrio (Docente da UFRB)

Jaqueline Gomes de Jesus (Psicóloga e professora do IFRJ)

Vérciah (músico e doutorando pela UFBA)

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