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Abril Indígena: Artigo de estudante da UFSB sobre saúde indígena é aceito por periódico A1

  • Publicado: Sexta, 26 de Abril de 2019, 10h52
  • Última atualização em Sexta, 26 de Abril de 2019, 14h45
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gabriela artigo manguinhosGabriela Oliveira Gomes Cordeiro é estudante da primeira turma de Medicina na UFSB. Ela cursou o Bacharelado Interdisciplinar em Saúde no Campus Jorge Amado (CJA), onde também participou de projetos de Iniciação Científica. Foram dois anos dedicados a uma pesquisa interdisciplinar, inicialmente com bolsa da Fapesb, depois da UFSB, orientada pela professora Cynthia de Cássia Santos Barra (Artes/PPGER) e, durante uma parte do processo, também pela professora Francismary Alves da Silva (História/PPGER). Um dos projetos, desenvolvido entre 2015 e 2016, intitulado Hitupmã’ax (CURAR): os públicos indígenas e a saúde pública no Brasil, propiciou a leitura contextualizada e crítica de um livro de autoria indígena sobre saúde indígena. Do trabalho, resultou o artigo Hitupmã’ax: experiência intercultural e atendimento diferenciado à saúde do povo Maxakali, de autoria de Gabriela, em conjunto com as orientadoras, que recebeu neste mês o aceite da Revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicação Qualis A1. A previsão de publicação é 2020. Trata-se de um trabalho entre as áreas de Saúde, Historiografia e Teoria Literária.

Confira abaixo a entrevista que Gabriela concedeu à ACS sobre seu trabalho de pesquisa:

 

ACS - Você pode falar um pouco da pesquisa que será publicada na revista da Fiocruz?

Gabriela Oliveira Gomes Cordeiro - Esse trabalho foi desenvolvido a partir de uma análise do livro HITUPMÂAX (CURAR), uma produção intercultural que surgiu do desejo de alguns estudantes universitários Maxakali em demonstrar o atual cenário da saúde indígena em sua comunidade. Uma parceria entre estudantes Maxakali da UFMG e alguns profissionais de diversas áreas contribuiu para a construção dessa linda obra. O livro trata de saúde, entretanto, propõe ao leitor um mergulho no universo Maxakali, o que envolve o entendimento de um universo místico, que norteia toda a vida, o ser e a morte desse povo. A proposta dessa obra perpassa aspectos profundos de uma cultura e promove uma possibilidade de encontro de visões de mundo. E, nesse sentido, é magnífica, pois se estrutura em uma lógica acessível a qualquer um que deseja adentrar nesse universo.

 

ACS - O que te levou a querer pesquisar a assistência à saúde dos povos indígenas?

Gabriela - Antes de iniciar o curso de BI em Saúde na UFSB, nunca havia tido contato com a área de pesquisa e nem conhecia profundamente a questão indígena no Brasil. No início do curso, eu e alguns amigos nos reunimos com a professora Cynthia, para desenvolvermos projetos acerca de temáticas importantes sobre a região, visto a proposta inovadora da UFSB em buscar ligações com a região/comunidade na qual está inserida. Pensamos na questão indígena a partir dos conflitos que estavam ocorrendo com frequência, entre indígenas e fazendeiros. Além disso, notamos a situação de vulnerabilidade e preconceitos a que estes povos estavam sujeitos e, por isso, decidimos discutir esse tema. Após pouco tempo, a professora Cynthia nos convidou a participar de um projeto de pesquisa sobre a temática dos povos tradicionais. Assim nasceu o nosso grupo de pesquisa, no qual meu plano de trabalho remetia à saúde indígena. Vale destacar a interdisciplinaridade desse tema, visto que a proposta de abordagem permitia essa pluralidade de áreas, como saúde, educação, artes, antropologia, etc.

 

ACS - Você desenvolveu um trabalho de pesquisa sobre a saúde dos indígenas Maxakali. Como se dá essa assistência à saúde?

Gabriela - Não podemos negar a existência de um sistema de saúde específico ao público indígena. No entanto, as minhas pesquisas foram do encontro ao grau de funcionamento desse sistema, conforme está garantido pela lei, que é descumprida em vários aspectos. Primeiro, é essencial entender os diferentes contextos históricos relacionados aos diversos povos indígenas, embora todos façam parte de um processo que pretendia/pretende dizimar ou integrá-los à sociedade não indígena. Com isso, especificamente sobre os Maxakali, são indígenas que residem atualmente em Minas Gerais e que, no passado, sofreram com uma longa batalha com os fazendeiros da região, tendo herdado um legado de preconceitos da sociedade não indígena, que ainda hoje os exclui das mais diversas formas, inclusive, negando sua identidade. A lei garante que esses povos tenham um cuidado em saúde diferenciado, que respeite sua cultura. No caso dos Maxakali, e isso fica evidente no livro analisado, esse direito ainda não se consolidou. Diversas situações de negligência são narradas no livro, o que demonstra o despreparo de profissionais e, às vezes, o desrespeito a essa cultura. Por exemplo, na cultura Maxakali, o parto normal é preferível à cesariana, tendo em vista os benefícios tanto à mulher quanto ao bebê; entretanto, há relatos segundo os quais profissionais de saúde insistem em realizá-la. Portanto, embora tenham conquistado direitos fundamentais, como o acesso à saúde, esses povos ainda enfrentam grande impasses para a consolidação aos moldes da lei.

 

ACS - No seu trabalho de pesquisa sobre os indígenas Tupinambá de Olivença, você conclui que a comunidade não tem assistência à saúde conforme a lei. Como você chegou a essa conclusão?

Gabriela - Na primeira pesquisa sobre saúde indígena (com os Maxakali), fizemos um estudo sobre a pauta indígena no Brasil, no qual destacamos a assistência estatal a esses povos e contextualizamos o desenvolvimento da pasta saúde voltada a esse público. A partir da constituição de 1988, assegurou-se o direito à saúde a todo e qualquer cidadão brasileiro e, considerando-se a autonomia dos povos indígenas como cidadãos, que tiveram esse direito conquistado – vale ressaltar, apenas a partir desse momento da história –, teoricamente esses povos também seriam abarcados. Com a constituição e implantação do SUS, nos anos 1990, tivemos o projeto do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi-SUS), em 1999. Esse subsistema, voltado exclusivamente ao público indígena, traz em seu projeto uma proposta de assistência culturalmente diferenciada. A exemplo da proposta estrutural do subsistema, toda comunidade deveria possuir um posto de saúde, e a região contemplada pelo Polo Base uma Casa de Saúde do Índio (CASAI); porém, estão ausentes na comunidade Tupinambá.

 

 

ACS - O que você encontrou de materiais informativos produzidos pelos próprios indígenas tupinambá sobre a temática da promoção de saúde?

Gabriela - Durante a pesquisa, fiz várias visitas ao Polo Base (centro regulatório que conta com profissionais da saúde, transporte e demais questões administrativas da saúde em nível local), além de visitar algumas comunidades, contactar alguns moradores e lideranças Tupinambá. Para além de colher informações acerca do atual funcionamento da saúde indígena, rastreei materiais informativos sobre saúde indígena, porém não obtive sucesso. Os materiais disponíveis sobre a temática se originam, principalmente, de campanhas do próprio Ministério da Saúde ou são desenvolvidos pelos profissionais do Polo Base, porém não são específicos da saúde indígena.

 

ACS - Quais as principais atuações da Sesai? Você sabe dizer como funciona nos territórios Sul e Extremo Sul da Bahia?

Gabriela - A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) é um órgão quase equivalente à Funasa (Fundação Nacional de Saúde). Quando o Sasi-SUS foi criado, no final da década de 1990, a responsabilidade por esse subsistema era da Funasa. Durante longo período, a pauta dessa responsabilidade foi questionada pelos indígenas, pois a autonomia desse público se limitava, por diferentes aspectos discutidos na pesquisa, já que dependiam de repasse indireto, principalmente em nível municipal. Em 2010, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o projeto de lei de criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), um órgão federal exclusivamente voltado à saúde indígena, que permitiu mais autonomia de atuação do público indígena. O Subsistema organiza-se a partir de territórios indígenas, para além de fronteiras geográficas, sendo alguns constituídos por mais de um estado, são denominados Distritos de Saúde Especial Indígena (DSEIs). Atualmente, existem 34 DSEIs pelo país. O Sul e Extremo Sul fazem parte do DSEI Bahia, que contempla 23 municípios do estado e tem sede em Salvador.

 

ACS - Você pode falar um pouco da pesquisa que será publicada na revista da Fiocruz?

Gabriela - A minha primeira pesquisa, sobre a saúde dos Maxakali, foi transformada em um artigo, aceito para publicação na Revista História, Ciências, Saúde- Manguinhos. Esse trabalho se desenvolveu a partir de uma análise do livro HITUPMÂAX (CURAR), uma produção intercultural, a partir do desejo de alguns estudantes universitários Maxakali em demonstrar o atual cenário da saúde indígena em sua comunidade. Uma parceria entre estudantes Maxakali da UFMG e alguns profissionais de diversas áreas contribuiu para a construção dessa linda obra. O livro trata de saúde, entretanto propõe ao leitor um mergulho ao universo Maxakali, o que envolve o entendimento de um universo místico, que norteia toda a vida, o ser e a morte desse povo. A proposta dessa obra perpassa aspectos profundos de uma cultura e promove uma possibilidade de encontro de visões de mundo. E nesse sentido se mostra magnífica, pois se estrutura em uma lógica acessível a qualquer um que deseja adentrar a esse universo.

 

ACS - Como foi a experiência de ter trabalhado tanto tempo em pesquisas com docentes de outras áreas?

Gabriela - Extraordinária. Só tenho a agradecer a oportunidade de ter encontrado pessoas maravilhosas, de diferentes áreas, que contribuíram para a construção de um trabalho de extrema relevância em nossa sociedade. Pude conhecer uma pouco mais do universo de áreas distintas (ciências, artes e saúde), mas que se convergem em vários aspectos, e essa interdisciplinaridade foi importante para desenvolver a pesquisa.

 

[Durante os anos de 2016-2017, a professora Cynthia Barra coordenou o projeto de pesquisa “Livro das Comunidades: o saber dos povos de tradição oral e a inclusão no ensino superior e na pesquisa no sul da Bahia”. Gabriela desenvolveu o Plano de Trabalho “Os Tupinambá de Olivença: as artes da grafia, os públicos indígenas e a Saúde Pública no Brasil”]

Link da publicação: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-5970&lng=pt&nrm=iso

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