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Nota da Reitoria: Aprender a resistir

  • Publicado: Sexta, 19 de Outubro de 2018, 15h33
  • Última atualização em Sexta, 19 de Outubro de 2018, 15h33
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A intermitência da democracia em nossa história tem suas raízes mais profundas na colonização, na exploração, na escravidão, que resultam em traços permanentes da sociedade brasileira: racismo, machismo, concentração fundiária. Sobre tudo isso e, mais recentemente, sobre a ditadura militar, muitas vezes, cometemos reiteradamente o mesmo erro: preferimos o silêncio, o esquecimento, a indiferença, à lembrança.

A esse respeito, conta em nosso desfavor o baixíssimo número de memoriais, museus, “lugares de memória” que, mesmo com ambiguidades, nos forcem a refletir, a fim de construirmos nosso repertório coletivo, angariando informações necessárias para lançarmos questionamentos ao passado e termos condições de qualificar nossa postura no presente. Porque até para resistir é preciso aprender, interrogar, perguntar-se, como escreveu Julián Fuks no romance A Resistência. É preciso aprender com a história oficial e também com todas as outras histórias: dos(as) pobres, dos(as) homossexuais, das pessoas trans, dos(as) negros(as), das mulheres, dos(as) trabalhadores(as), dos(as) indígenas. Com aqueles(as) que estão há 518 anos em risco e jamais agiram com desespero ou passividade.

Temos a certeza de que há muito a ser feito, nos mantendo alerta e militando pela democracia, pela segurança dos direitos alcançados e pela vida das pessoas, principalmente das mais vulneráveis. Se unirmos nossas forças com orgulho, destemor e esperança, nossa sobrevivência e de nossa democracia poderá estar a salvo. Mas não sem luta e sem o aprendizado de nossa própria história, com os saberes e as práticas de resistência de sujeitos que, pelo querer dos poderosos, já teriam sido extintos.

Essa atmosfera de infortúnio iminente e de antidemocratismo não nos apanhou de surpresa. Pelo menos desde 2013 assistimos à movimentação das forças reacionárias e ao intumescimento dos discursos antidemocráticos. A sensação de risco à democracia não começou no primeiro turno destas eleições de 2018. O ódio à igualdade, à ampliação do espaço público, aos direitos, contra os privilégios de poucos, é antigo no Brasil. E, como argumenta Jacques Rancière no livro O ódio à democracia, esse sentimento atormenta a democracia, intimidada pelo “enorme mal-estar dos privilegiados”, como sentenciou o filósofo Renato Janine Ribeiro no prefácio à edição brasileira do livro do pensador francês.

Esse “incômodo” se evidenciou de modo avassalador quando o resultado das urnas foi colocado sob suspeita, no pleito de 2014. O ódio a pobres, aos programas sociais, à interiorização das universidades públicas e à abertura massiva de institutos federais, dentre outras políticas públicas, foi revelado e narrado como afronta pelos que se julgam os legítimos merecedores, que tiveram a chancela e a cumplicidade da mídia. E o ódio se avolumou, tendo se alastrado como doença contagiosa, quando um dos maiores torturadores da ditadura militar foi homenageado em um pronunciamento de voto pelo impeachment da presidenta eleita.

No Nordeste, não nos deixamos enganar por falsos discursos ou por personagens tétricos, pois nossa história de resistências é maior do que qualquer invenção contada em montagens grosseiras repassadas pelas redes sociais. Nossa história está inscrita em nossa memória e em nosso sangue. E o que ela nos ensina é o poder da resistência e da resiliência. Nós temos Dois de Julho, Palmares, Canudos, Revolta dos Malês, Conjuração Baiana/Revolta dos Alfaiates, Levante dos Tupinambás, Cabanada, Balaiada, Revolução de 1817, Sabinada, Revolta do Buzu. Temos heróis e heroínas insurretos(as) nos nossos corpos e nas nossas mentes num atavismo que é só nosso, de que temos consciência e nos orgulhamos.

E, com a responsabilidade dessa história, defenderemos a universidade pública e gratuita. O Sul e o Extremo Sul da Bahia reivindicaram a instalação de uma universidade federal e, pela potência de suas vozes associada à vontade política do governo federal, a UFSB foi implantada, em 2013. Nestes cinco anos, com erros e acertos, temos solidificado gradativamente nossa presença nos territórios Sul e Extremo Sul, com o compromisso do nosso corpo docente e técnico- administrativo, composto por pessoas que se imbuíram da tarefa de dialogar com a população, com os movimentos sociais, com colegas educadore(as) da educação básica.

Nesse esforço, temos trilhado um caminho bonito, ainda nos seus inícios, e pretendemos consolidar nossa universidade com o apoio da população, que é nossa mantenedora e reconhece a importância do ensino superior público e de qualidade em territórios antes esquecidos pelo poder público federal. Agora que estamos aqui, que construímos nossos compromissos profissionais, nossos laços e afetos, não nos curvaremos às forças da ignorância e aos interesses escusos que já anunciaram seu desejo torpe de extinguir o ensino público gratuito.

Nossa força é o conhecimento e a experiência angariada com os movimentos populares acerca da necessidade de aprender continuamente a resistir, pois a própria democracia é um processo, contraditório como qualquer outro. Não nos deixemos enganar pela opacidade das palavras, pelas (dis)torções semânticas e éticas, pelas apropriações ideológicas, pela repressão do pensamento, pelo ódio à ciência, aos livros, à história, à democracia. O papel da UFSB como patrimônio do povo do Sul e Extremo Sul da Bahia, neste momento, é de promover e qualificar debates, mostrar à comunidade interna e externa a que veio por meio de ações e argumentos, defender a educação pública como bem de todos e todas. Esta é a disposição da gestão e, certamente, de todo nosso corpo de servidores(as), estudantes e colaboradores(as).

Nesse sentido, conclamamos todos e todas a dar continuidade à história de resistência que identifica tanto a universidade pública brasileira quanto o Nordeste e a Bahia, para que possamos alto cantar nosso Hino ao 2 de Julho, que tem em uma de suas estrofes os seguintes versos: “Nunca mais, nunca mais o despotismo/Regerá, regerá nossas ações/Com tiranos não combinam/Brasileiros, brasileiros corações”.

 

 

Professora Joana Angélica Guimarães da Luz
Reitora

Professor Francisco José Gomes Mesquita
Vice-Reitor

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