Em livro, pesquisadora analisa o papel da universidade pública em relação à educação em prisões no Brasil
O ensino como direito de todas as pessoas e, por conseguinte, também devido a quem está em privação de liberdade é o tema do livro Educação em prisões e universidades públicas no Brasil (Editora Appris, 2023). Assinado pela professora Carolina Bessa Ferreira de Oliveira, lotada no Centro de Formação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Sul da Bahia (CFCHS/UFSB), o livro parte de um estudo sobre as experiências brasileiras e argentinas na forma de conduzir iniciativas educacionais nos sistemas penitenciários, com um olhar voltado para apontar ideias e fomentar a discussão informada e baseada em evidências científicas em torno de políticas públicas sobre o tema.
A professora Carolina conta que a sua jornada na formação como profissional e pesquisadora, da graduação ao doutorado, a levou a estudar esse assunto: "O interesse no assunto nasceu sobretudo de minha prática profissional como educadora e gestora de educação em prisões nos estados de Minas Gerais e São Paulo, ao lado de pesquisa anterior realizada no mestrado na área de políticas públicas de educação básica em prisões, quando pude verificar de perto a avassaladora seletividade social e racial do sistema punitivo: a maior parte das pessoas que historicamente são encarceradas, mantidas na prisão e condenadas no Brasil não possuem escolarização básica completa, são negras, com reduzido ou ausente acesso à defesa no processo penal e vulneráveis socialmente. As evidências demonstram que a prisão acaba se constituindo como uma resposta racista aos conflitos sociais e como mais uma fronteira no acesso a direitos".
A docente conta que a sua experiência como advogada na área criminal também influenciou a aproximação com o tema, pelo contato com histórias de vida de pessoas presas. Isso aumentou o seu interesse em investigar práticas de acesso a direitos sociais, incluindo a educação superior nas prisões. Carolina explica que o Brasil já oferta educação básica, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, devendo cumprir as legislações vigentes - embora essa política alcance menos de 10% da população presa, sendo que a maioria possui escolarização básica incompleta. Em termos de ensino superior, o que existem são práticas isoladas nas prisões. "Com isso, passei a me inquietar com o que faz e o que pode fazer a universidade pública brasileira como instituição estatal em relação às prisões, para além das pesquisas já muito bem delineadas que temos sobre o tema. E o ensino? E a extensão? E a inclusão?", questiona.
Ao conhecer as práticas nas instituições prisionais analisadas, a pesquisadora se deparou com processos históricos distintos no campo da política educacional e prisional, o que marcou profundamente as escolhas para a promoção do estudo no ensino superior como um direito das pessoas privadas de liberdade. "A experiência argentina remonta a um contexto e uma combinação de fatores políticos que confluiram para a experimentação e depois forte consolidação normativa e institucional da universidade na prisão, remontando à transição democrática, à punição de crimes cometidos na ditadura militar e ao acesso ao ensino superior de forma universalizante. Acordos e parcerias entre a universidade (no caso, a UBA, inicialmente) e a política penitenciária (Ministérios e Secretarias) possibilitaram uma divisão de atribuições e um esforço conjunto na oferta de ensino superior, em que docentes da universidade pública passaram a ministrar aulas em cursos superiores estruturados dentro de uma institucionalidade universitária em funcionamento no interior de unidades prisionais, para além do fato de ser um país cuja política de acesso ao ensino superior não inclui seleção e meritocracia da forma como conhecemos no Brasil", afirma a professora Carolina.
A advogada, professora e pesquisadora afirma que a educação superior enquanto direito fundamental é a principal ideia defendida na obra e na pesquisa que a originou, para além da visão crítica sobre o conceito de ressocialização. "A privação de liberdade não pode significar a privação de todos os direitos, mas apenas do que é efetivamente alcançado pela sentença condenatória - sem contar que cerca de 40% das pessoas presas no Brasil estão aguardando julgamento (provisórias). De outra parte, 'ressocializar', 'reeducar' ou 'reintegrar' pressupõe uma lógica de 'tratamento penal' focado na ideia de 'pessoas desviantes', a qual a literatura crítica denomina 'ideologias RE' e que não corresponde à realidade altamente complexa e conflitiva da sociedade, ao fracasso histórico da instituição prisão como 'reabilitadora' ou cuja ação pode prevenir crimes, e nem mesmo com a seletividade racial e social hoje evidente em todos os indicadores de encarceramento no Brasil e no mundo. Entendendo que a definição de quem é a pessoa 'criminosa', dada a seletividade racial e social da punição, é um construto do sistema capitalista, nos aproximamos da perspectiva de que a prisão deve ser exceção como forma de punição e que a garantia de direitos fundamentais no seu interior é uma exigência legal à luz da nossa legislação democrática", declara a professora Carolina. Assim, afirma que não há mais discussão sobre o direito humano e fundamental à educação por parte das pessoas presas, mas sim a forma como podemos implementá-la. 
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