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Pesquisa em sociofísica analisa o papel de indivíduos céticos contra difusão de notícias falsas e rumores

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Quarta, 22 de Julho de 2020, 15h37 | Última atualização em Quarta, 22 de Julho de 2020, 16h29 | Acessos: 5357

capa artigo marco antônioO consumo de informações em um mundo altamente conectado é assunto muito importante, apesar de nem sempre ser percebido pelas pessoas como um aspecto de suas vidas que merece atenção. A confusão entre notícia e opinião, o anticientificismo, a desvalorização do trabalho da imprensa e o apego aos vieses de confirmação são algumas das evidências de que rumores e notícias falsas são virais em mais de um sentido. O artigo Skepticism and rumor spreading: The role of spatial correlations, publicado na revista Physical Review E e assinado por Marco Antônio Amaral (UFSB), Wellington Dantas (UFF) e Jeferson Arenzon (UFRGS), dá continuidade aos estudos desenvolvidos no campo interdisciplinar da Sociofísica sobre a difusão de boatos e mentiras nas redes sociais. No trabalho, os pesquisadores buscam aprimorar o entendimento sobre a atuação de pessoas céticas no processo de circulação e interrupção desses conteúdos. Como em colaboração anterior dos professores Marco Antônio e Jeferson, na qual empregaram o modelo de epidemia zumbi para entender a disseminação de fake news, modelos computacionais epidemiológicos são empregados para simular contextos de interação humana e com eles, testar e refinar hipóteses sobre as redes de circulação de boatos, rumores e informações falsas.

network 1911678 1920"Criamos um modelo teórico para análise de espalhamentos de rumores focando principalmente na estrutura espacial da rede de contatos entre pessoas e o papel do ceticismo ao aceitar novos rumores e fake-news", explica o professor Marco Antônio. O assunto é relevante devido aos já bem conhecidos resultados das práticas de manipulação de opiniões no mundo todo. A ideia era entender melhor o papel do ceticismo na circulação. Ser capaz de duvidar de uma informação, ainda que ela confirme ou se aproxime de uma opinião pessoal ou ideológica, em um contexto em que as pessoas fazem ideias e relatos circularem, é um fator que altera o modo como essa difusão acontece. "Em especial, ao levar em consideração as redes de conexões entre pessoas, vemos que comportamentos muito diversos podem ocorrer, diferindo do caso simples onde não existe estruturas espaciais de conexão", avalia o pesquisador. Para esse estudo, os autores empregaram uma modelagem computacional via equações diferenciais ordinárias e aproximação de pares de primeiros vizinhos para obter resultados analíticos. Em seguida utiizamos simulações baseadas em agentes para obtermos resultados para redes uni e bidimensionais regulares, bem como para redes complexas do tipo small-world" (rede de mundo pequeno, na qual os indivíduos não interagem todos com todos, mas com alguns, formando grupos nos quais alguns indivíduos participam de mais de um grupo ao mesmo tempo. É uma forma de explicar a interação humana mais comum na vida real). 

Dentre os resultados, o professor Marco Antônio destaca que um cético pode fazer muita diferença. "Um dos principais resultados que vemos é que a introdução de redes de contato espacialmente distribuídas permite que hajam "ilhas" de indivíduos não afetados pelos rumores, que ficam isolados destes através de uma camada de proteção de indivíduos céticos. Esse fenômeno só é possível devido ao fato de que nesse modelo, agentes não se conectam com absolutamente todos os outros. Ou seja, poucos agentes céticos quanto ao rumor poderão cercar indivíduos susceptíveis, impedindo o espalhamento da notícia falsa". É uma possibilidade de compreensão de como um boato se espalha e em que pontos da rede, e devido a quais motivos, ele não transpõe a barreira. "Apesar de ser somente um modelo inicial, ele possibilita o início de um arcabouço matemático, que nos permitirá futuramente realizar modelagens mais complexas e realistas de redes sociais existentes. A partir desse tipo de pesquisa, podemos desenvolver algoritmos e mecanismos mais eficientes contra notícias falsas", afirma o professor Marco Antônio, que concedeu entrevista por e-mail para a editoria UFSB Ciência.


Em relação ao trabalho em que foi feita uma primeira experiência com o modelo de contágio zumbi, um diferencial é a inclusão da chamada rede de contato espacialmente distribuída. Em termos de comunicação, que contextos essa rede simula?

Exatamente. No modelo anterior, utilizamos a chamada hipótese de rede bem misturada. Nesse caso, todos indivíduos interagem com absolutamente todos os outros. Isso é uma hipótese irrealista, dado que nós como agentes interagimos somente com uma fração das pessoas ao nosso redor. Porém, esse é o método mais usual de se começar uma análise de um sistema novo, dado que essa hipótese facilita em muito as contas matemáticas. Nesse segundo momento, nós já possuíamos um entendimento mais profundo do modelo, de modo que deixamos essa hipótese de lado e passamos a utilizar modelos com estruturas espaciais. Isto é, agora, os agentes terão contato com um número limitado de outros indivíduos, que é como ocorre na vida real. Para isso utilizamos modelos simplificados, como uma rede unidimensional e uma rede quadrada (onde cada agente tem contato somete com outros quatro, num arranjo similar a um tabuleiro de xadrez). Por fim, avançamos ainda mais e utilizamos as chamadas redes complexas, especificamente a rede do tipo small-world, que são arranjos similares aos contatos observados entre humanos. Nesse tipo de redes, temos uma variação no número de contatos, com indivíduos mais influentes tendo diversos contatos e indivíduos mais isolados tendo poucos.

 

No artigo, os autores apontam para a alternativa de distribuição de mais pessoas suficientemente bem educadas, aptas ao ceticismo, como uma espécie de “vacina” contra o espalhamento de pseudociências e informações falsas. Que medidas podem ajudar nesse intuito?

Nos vimos que de acordo com nosso modelo, de fato boatos se espalham como uma doença na sociedade. Claro que o cenário ideal seria que absolutamente todas as pessoas tivessem um nível saudável de ceticismo, ignorando e desmistificando notícias falsas. Porém isso é atualmente implausível e muito difícil de se conseguir. No entanto, o modelo mostra que é possível obter no cenário de fake news um estado de "imunidade de rebanho" similar ao que ocorre com doenças e vacinas. Isto é, a partir de um certo limiar de pessoas suficientemente céticas, mesmo que elas não sejam 100% da população, tais agentes podem cercar os espalhadores de boatos e evitar que este continue se propagando.

Quanto a medidas específicas, campanhas de conscientização, ambientes mais abertos ao ceticismo e principalmente a introdução de aulas e matérias especificamente voltadas a ensinar sobre raciocínio científico e ceticismo seriam medidas excelentes para ajudar a criar uma sociedade mais resiliente a fake news.

 

O artigo em tela aperfeiçoa a discussão realizada no trabalho anterior, publicado em 2018, no qual se empregou o modelo de epidemia zumbi. Além do ceticismo, há outros fatores que estejam sendo considerados para o melhoramento das simulações para outros estudos, em linhas gerais?

Quando trabalhamos com sistemas não-lineares temos um enorme problema que é justamente como efeitos diferentes podem interagir de maneira inesperada. Isto é, em um sistema linear, se 'A' vai melhorar o resultado, e 'B' também irá melhorar, então utilizar 'A' e 'B' irá gerar um resultado ainda melhor. Em sistemas não-lineares isso não é necessariamente verdade, e utilizar dois efeitos positivos em conjunto pode levar a efeitos negativos. Por isso, é mais usual que estudemos um efeito por vez, para ter certeza de que entendemos ele e suas consequências. No momento, nós estudamos especificamente o efeito da rede de contatos na propagação de fake news. Porém, outros trabalhos estão atualmente estudando diversas outras estratégias, como incentivos a agentes céticos, punições a agentes espalhadores, uso de redes de contatos dinâmicas que mudam conforme o tempo passa, espalhamento de diferentes boatos ao mesmo tempo, com diferentes níveis de viralidade, etc.

 

Outro ponto interessante do estudo é a possibilidade de desenvolver meios de intervir na circulação de fake news e boatos a partir dessa compreensão desse processo, como ocorre hoje com o controle de crimes e de discursos de ódio na internet. Pode falar um pouco sobre como esses meios poderão funcionar?

Apesar de esse ser apenas um toy model inicial, ele possui diversas possibilidades de aplicações futuras. Isto é, o modelo é intencionalmente simplificado, e não é uma descrição exata da realidade complexa do Brasil. Porém ele nos permite entender quais os parâmetros e aspectos mais influentes, dentro dessa simplificação, e quais medidas poderiam ter mais efeito. Nesse sentido, nosso modelo, por exemplo, apresenta os parâmetros de intensidade no nível de ceticismo da população, bem como o nível de "viralidade" do boato. Através da análise matemática, podemos obter qual a relação entre esses dois parâmetros que pode gerar a contenção do boato, por exemplo. A partir disso, podemos então tentar modificar o modelo para casos mais próximos da realidade, utilizando a população de um país por exemplo, ou a rede de contatos obtida a partir de redes sociais. Com isso e com outros dados experimentais, como a abrangência de um determinado boato, podemos futuramente entender melhor qual o nível de "ceticismo" de determinada rede naquele momento e ver o quão distantes, ou não, estaríamos de conseguir conter tal boato. O modelo funciona em passos incrementais, e vamos entendendo primeiro o caso mais simples para então irmos adicionando complexidades mais similares ao mundo real.

        

 

 

Imagem de capa:ElisaRiva por Pixabay

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