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Pesquisa e intervenção pedagógica abordaram práticas de professores do EJA em relação aos temas gênero, sexualidade, classe e etnia

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Quinta, 05 de Setembro de 2019, 14h35 | Última atualização em Sexta, 18 de Outubro de 2019, 16h05 | Acessos: 6330

flavio defesa 1

Como os professores que lecionam para as turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) tratam (ou não) dos temas de relações de gênero, sexualidade, classe e etnia em sala de aula? E por que esses temas importam na formação desse público estudantil?

Essas perguntas motivaram a pesquisa e a intervenção pedagógica realizada pelo professor Flávio Barreto de Matos, primeiro mestre formado pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER). O mestrado profissional oferecido pela Universidade Federal do Sul da Bahia é voltado para educadores e dá oportunidade para a realização de estudos e experimentação de práticas pedagógicas que possam se tornar contribuições diretas para o aprimoramento do ensino. No caso da pesquisa-ação de Flávio, que resultou no trabalho intitulado Os corpos que a Escola não toca: EJA e as dissidências sexuais e de gênero na perspectiva da formação docente, tratou-se da ausência de reflexões a respeito de classe socioeconômica, sexualidade, gênero e etnia perante turmas que são, em maioria, compostas por pessoas que se encontram nos pontos mais frágeis desses contínuos: pobres, de cor, travestis e transsexuais. Além da constatação, a pesquisa de Flávio propôs aos docentes participantes maneiras de alterar essa situação, agindo e refletindo para agir cada vez melhor.

Flávio falou sobre seu trabalho, defendido no dia 6 de maio de 2019 perante a banca formada pelos professores Ana Cristina Santos Peixoto (PPGER/UFSB), André Mitidieri (PPGLLR/UESC) e pelo orientador, professor Rafael Siqueira de Guimarães (PPGER/UFSB), na Secretaria Municipal de Educação de Una.

Flávio (primeiro à esq.) pesquisou práticas de professores da EJA 

  


De que trata a pesquisa? 

A pesquisa desenvolvida no Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnicos-Raciais – PPGER, tratou de um Projeto de Formação Docente com o objeto de refletir e decolonizar a prática pedagógica da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Uma vez que observou-se que em todo debate em torno da EJA não se discutem as relações de gênero, sexualidade, classe e etnicidade. Assim, assumimos o desafio de organizar, como política pública de reparação, equalização e emancipação, a modalidade de ensino da EJA, no município de Una, situada na Região Sul da Bahia, a implementação de ações que dessem visibilidade às alunas e aos alunos dissidentes, bem como assegurar às/aos estudantes o desenvolvimento integral do potencial humano, garantindo-lhes o exercício pleno da cidadania ao longo da vida.

Para tanto, primamos na pesquisa-ação pelo fortalecimento do espaço de ensino-aprendizagem, partindo da ação/reflexão/ação, desconstruindo os paradigmas estruturados e materializados nos documentos oficiais de educação. Buscando, dessa forma, implementar uma nova construção de educação, oportunizando as sujeitas e aos sujeitos da EJA o direito de existir e de estar em todos os espaços, transpondo as barreiras do legado modernidade/colonialidade, que exige dos nossos corpos um enquadramento dentro de um modelo de universalidade baseado no essencialismo biológico mulher/homem.

A palavra decolonial indica uma outra forma de se reconstruir a história. Ou seja, o pensamento decolonial sugere um pensamento outro, considerando os aspectos subjetivos das sujeitas e dos sujeitos em que se reconheça todos os conhecimentos, que não apenas os científicos.

Partindo desse princípio, falar sobre “decolonizar a formação docente” é subverter as estruturas do currículo que privilegiam apenas as pessoas que estejam enquadradas em um único modelo que segue a matriz colonial do homem, branco, heterossexual e cristão, deixando de fora as corpas e corpos dissidentes.

Como a pesquisa-ação foi desenvolvida na Educação de Jovens e Adultos, a proposta consiste na (des)construção das práticas pedagógicas dessa modalidade de ensino, que em sua maioria são composta por pessoas que borram essa estrutura colonial. Portanto, as estratégias pedagógicas são determinantes na formação desses sujeitos/estudantes, à medida que aprendemos a lidar com as situações complexas, passando a se envolver de modo mais engajado e comprometido com as transformações na vida dos jovens e adultos, propondo uma nova práxis mais humana.

 

 

Como foi feita a pesquisa?

A proposta metodológica do Projeto de Formação Docente foi desenvolvida sob o viés qualitativo, através de encontros formativos e nas Atividades Complementares (ACs), no ambiente escolar do Colégio Municipal Alice Fuchs de Almeida.

O processo de formação docente trabalhou com o universo de significados que necessitaram de reflexões e (re)conhecimento sobre o currículo escolar e a prática pedagógica inovadora. Para tanto, organizamos e delineamos formação baseada em saberes decoloniais, como instrumento teórico-reflexivo a respeito da prática docente da EJA.

A intervenção pedagógica aconteceu durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2018. No primeiro momento (abertura) compomos a mesa redonda, que tinha como título Gênero, sexualidade e intersexualidade na EJA. A partir daí as formações aconteceram nos momentos das Atividades Complementares (ACs).

Desse modo, a formação docente intitulada Gênero, sexualidade e intersexualidade na EJA foi pensada e desenhada seguindo a organização a seguir:

  • Conhecimento e princípios formativos da base curricular da EJA;
  • Reflexões das questões sociais – gênero, sexualidade e intersexualidade – na prática docente e no convívio com o outro;
  • Desenvolvimento de ações práticas e efetivas - AÇÃO-REFLEXÃO-AÇÃO

A partir da estrutura acima, discutimos através dos estudos decoloniais as percepções da práxis pedagógica, que nos levaram ao entendimento como se apresentam as sexualidades dissidentes no contexto da EJA, considerando as questões sociais, políticas, econômicas e identitárias.

Assim, abrimos um novo caminho para EJA, através de intervenções pedagógicas e da integração das questões sociais ao currículo dessa modalidade de ensino no município de Una, por meio da inserção das questões da vida cotidiana, pois esta é uma forma de garantir-lhes o exercício da cidadania, construindo e/ou fortalecendo bases que garantam o direito à igualdade e à dignidade humana. 

 

Qual a importância da pesquisa? 

A oportunidade de desenvolver um trabalho reconhecendo a Educação de Jovens e Adultos como um campo de temáticas intercruzadas, possibilitou entender melhor as/os discentes dessa modalidade de ensino fortemente marcados pelo sistema de dominação e opressão. Nesse sentido, entendemos que o currículo escolar da EJA torna-se peça fundamental e eixo norteador das escolas e da práxis pedagógica das professoras e professores.     

Assim sendo, o processo de formação docente foi de extrema relevância, pois trabalhou com o universo de significados que necessitam de reflexões e (re)conhecimento sobre currículo escolar. Compreendendo que os espaços formativos devem ser vistos, como uma realidade multifacetada e complexa.

Com a formação docente foi possível discutir os estudos sobre gênero, sexualidade e intersexualidade a partir do pensamento decolonial e do protagonismo das corpas e corpos abjetos descontruindo a ideia da sujeita e do sujeito universal e de uma visão única do nosso processo histórico e formativo da educação brasileira. 

Portanto, com essa formação pudemos dar uma maior visibilidade a esse público, através do entrelaçamento dos saberes sistematizados e das suas narrativas de vida, fortemente marcadas pelos conflitos, pelas lutas e pela invisibilidade social. Assim como, a sensibilização dos profissionais da educação da EJA, em relação aos processos de humanização e escolarização das sujeitas e sujeitos dissidentes. 

 

O que os resultados indicam/informam? 

A formação pedagógica desenvolvida com os profissionais da EJA no município de Una repercutiu de forma bem significativa na (re)estrutura dessa modalidade de ensino. O que converteu em práticas decoloniais, dando visibilidade, oportunidade de fala e posicionamento crítico/reflexivo das alunas e dos alunos dessa modalidade de ensino.

A noção de engajamento político/educacional elucidaram o modo como os atores envolvidos no processo formativo se manifestaram através de sua prática pedagógica. O que provocou uma série de sentimentos, reflexões e mudanças de paradigmas nas ações desenvolvidas pelos docentes. Foi possível também presenciar o modo como as sujeitas e os sujeitos estudantes da EJA passaram a se posicionar nas atividades práticas desenvolvidas dentro e fora da sala de aula.

Bem, aqui trago as palavras de um dos professores que, no momento de avaliação, escreveu: “Trabalhar as questões de gênero, sexualidade, e interseccionalidade na EJA nas formações propostas por este projeto de intervenção nos possibilitou conhecer uma nova realidade desses sujeitos. O que implicou ressignificar a nossa práxis pedagógica agregando novos saberes. Essas mudanças provocaram alterações significativas no comportamento dos alunos e alunas, permitindo que eles se reconhecessem enquanto pessoas dotadas de identidade própria e que fazem parte do universo social de todas e todos. Essas ações proporcionaram que o nosso alunado olhasse para si e para o outro de maneira diferente, quebrando as barreiras do preconceito, ao mesmo tempo tornando-os autores da sua própria história, garantindo a eles autonomia". (C.M.R.)

Diante dessa fala, que julgo ser a fala dos demais profissionais de educação da EJA, percebemos que toda articulação de enfrentamento e resistência, quando interseccionada e dentro de um coletivo, descontrói a ideia dicotômica de ser e estar no mundo. O que demonstra que tais mudanças possuem caráter mais amplo, algo perceptível nas mudanças de comportamento dos profissionais em educação da EJA do município de Una. Mudanças estas percebidas na noção de engajamento político/educacional e no modo como esses profissionais manifestaram suas opiniões frente às questões das práticas institucionais organizadas a serviço de uma hegemonia branca, heterossexista e classicista.

No entanto, entendemos que ainda temos um longo caminho a percorrer. Mas já sentimos os impactos da parcialidade que dão base à supremacia branca e cisgênera que oprime, segrega e exclui as sexualidades dissidentes e as pessoas de cor, principalmente na Educação de Jovens e Adultos, cujo público em sua maioria é formado por pessoas pobres, negras, transexuais e travestis.

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