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Exposição virtual: Yamî, espíritos cantores na aldeia Maxakali

  • Publicado: Terça, 29 de Setembro de 2020, 21h00
  • Última atualização em Terça, 29 de Setembro de 2020, 21h09
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Por Ramon Rafaello

Apresentação

Em abril de 2019 estive acompanhando um grupo da aldeia Pataxó de Coroa Vermelha (BA) em uma visita no território indígena de Pradinho (Aldeia Boa Vida), onde aconteceram os rituais em homenagem ao pajé e mestre de saberes Toninho Maxakali. Nesta ocasião foi produzido um registro etno-fotográfico que encontra-se no acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (MAEA) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através da exposição Maxakali – A Resistência de um Povo, e devido ao isolamento social em função da pandemia do covid-19, as fotografias encontram-se também (temporariamente) na exposição virtual; Yamî, espíritos cantores na aldeia Maxakali. 

Algumas informações sobre os Tĩkmũ’ũn/Maxakali

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Os “Tĩkmũ’ũn, conhecidos pela sociedade nacional como Maxakali, atualmente vivem no estado de Minas Gerais, na Aldeia Verde (Ladainha), Aldeia Cachoeirinha (Teófilo Otoni) e a terra indígena Maxakali – glebas de Água Boa (Santa Helena de Minas) e Pradinho (Bertópolis). São falantes do idioma Maxakali, pertencente ao tronco linguístico macro-gê, e utilizam o português como segundo idioma para se comunicar quando recebem visitas ou realizam atividades fora das aldeias. A população soma aproximadamente duas mil pessoas. Este quantitativo populacional “cresceu vertiginosamente nas últimas décadas, e segue crescendo, em contraste com relatos de dados referentes à primeira metade do século, quando foram contados como não mais que 59 indivíduos” (TUGNY; JAMAL, 2015, p.03), possivelmente, devido ao processo histórico de colonização, que promoveu o genocídio a e assimilação dos povos originários, considerando-os como “categorias transitórias” (OLIVEIRA, 2006) que caminhavam para o desaparecimento. O desmatamento e a especulação fundiária, reduziram as áreas de habitação tradicional e sua biodiversidade, disseminando epidemias, gerando conflitos territoriais e outros impactos. (ÁLVARES, 1995).  Nesse contexto, ponta Bruno Vasconcelos (2015, p.10) que a degradação ambiental nas terras Maxakali é extrema e nenhuma deles dispõe de água potável nem de caça. Porém, apesar das dificuldades que convivem, os sistemas linguísticos e ritualísticos permanecem plenamente operantes, através de “um repertório poético, mítico e musical extenso, rico e variado” (TUGNY, 2016, p.02), que constantemente é atualizado através de “complexos festivo-mítico-musicais de grande exuberância e vitalidade, celebrados junto aos yãmĩyxop, seres extraordinários com quem compartem cantos, comida, danças e conhecimentos” (VASCONCELOS, 2015, p.10).

O pesquisador Charles Bicalho (2018, p.02) contribui para nossa compreensão sobre os yãmĩyxop:

Yãmîy tem pelo menos dois signifi cados em língua Maxakali: “canto” e “espírito”. Yãmîy são cantos sagrados, composições poético-musicais (poemúsicas) cantadas nos yãmîyxops, seus rituais. Yãmîyxop agrega yãmîy e xop, esta última denotando a idéia de plural ou conjunto. Tais rituais se configuram como encontros de espíritos cantores. Os yãmîy-cantos se referem aos yãmîy-espíritos. Ou seja, para cada divindade Maxakali há pelo menos um canto correspondente. Tais divindades incluem animas terrestres, pássaros, insetos, e figuras míticas da tradição indígena.

Os sub grupos da nação tikmũ’ũn e o ritual putuxop

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O dia 22 de abril marca o suposto “descobrimento do Brasil”, início do processo de resistência dos povos indígenas contra a colonização. Para os Maxakali essa data também significa o dia que o pajé e mestre de saberes Toninho se despediu do mundo físico para viver na aldeia dos yãmĩyxop. Nas terras do Pradinho esse foi um movimentado. Eu e alguns indígenas Pataxó visitantes da Aldeia de Coroa Vermelha (BA) acompanhamos o ritual Putuxop (povos-papagaio). Na ocasião os cantos eram entoados continuamente durante horas, e as mulheres formavam círculos girando em forma de sucuri em volta dos cantores. Alimentos eram servidos oferecidos a todos os participantes e principalmente aos yãmiys na casa de religião (kuxex).

De acordo com Tugny (2009, p.412), “os Maxakali relatam que o ritual do putuxop teria vindo de Itamaraju (BA) e Porto Seguro (BA), trazidos por seus ancestrais das regiões onde viveram vários grupos atuais Pataxó”. A história do Putuxop traduzida pelos indígenas em diversos livros faz referência às relações de parentesco, alianças e conflitos estabelecidos pelos ancestrais Tikmũ’ũn e outros seres, identificados como papagaios, araras, patos, saracuras e garças. Nesse sentido, observa-se a tabela de comparação entre os etnômios atribuídos pela sociedade nacional aos grupos indígenas e a identificação atribuída a estes grupos nos rituais Maxakali, contribuindo para afirmar a “equivalência existente entre os putuxop e o povo Pataxó, único remanescente das línguas pertencentes à família Maxakali (Macro-Gê)” (TUGNY, 2009, p.412);

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Tabela de comparação entre a nomenclatura atribuída pelos colonizadores aos povos indígenas e a nomenclatura dos grupos nos rituais Maxakali.

Fonte: Paraíso (1988, p.284)

Embora sejam “indevidamente tratados como um único povo, os Tikmũ’ũn mantêm ativa a memória da diversidade dos seus grupos originários” (TUGNY, 2009) que tradicionalmente conviveram no vale dos rios Jequitihonha, Buranhém, Itanhém, Mucuri e Jucuruçu. Analisando os relatórios de Teófilo Otoni na Companhia de Navegação e Comércio entre 1847 a 1858 e as informações encontradas nas obras de viajantes naturalistas do século XIX, a exemplo de Saint Hilaire, Von Martius, Maximiliano de Neuwied e dentre outros, Maria Hilda Paraíso (1994) “aponta a proximidade entre estes diversos grupos, inscrevendo-os sob o signo de uma confederação, cujos integrantes compartilharam diversos de seus traços culturais” (VASCONCELOS, 2015, p.31). 

[1]De acordo com o Instituto Socioambiental – ISA (2020):

Os Maxakalí - palavra em língua desconhecida, aplicada pela primeira vez na área do rio Jequitinhonha - não podem ser identificados como um único grupo, mas como um conjunto de vários. A denominação decorre desses grupos se articularem politicamente como aliados e terem se aldeado conjuntamente, sobretudo após 1808, quando ocorreu a invasão sistemática de seus territórios e se ampliaram os conflitos com outros grupos, particularmente com os denominados Botocudos. Essa confederação era composta pelos povos denominados; Pataxó, Monoxó, Amixokori, Kumanoxó, Kutatói, Malalí, Makoní, Kopoxó e Kutaxó.

Considerações finais 

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O canto dos yãmîyxop é o fio condutor que conecta o presente e o passado possibilitando a reprodução da memória ancestral. O canto é considerando pelos Maxakali como um espírito que deve ser cuidado pelos seres humanos, os quais devem transmitir seus conhecimentos para as próximas gerações. A reprodução dos conhecimentos através dos cantos poéticos, vem contribuindo para impedir o desaparecimento cultural através das formas de ensino-aprendizagem mediadas pelo contato com o mundo espiritual, revitalizando e atualizando saberes e práticas sobre a fauna e flora dos territórios, língua, mitologia, cosmovisão e outros aspectos do povo Maxakali. 

Neste sentido, estou considerando os rituais yãmîyxop e seus cantos como memória e patrimônio cultural remanescente dos diversos povos Tikmũ’ũn que tradicionalmente viveram nas extintas áreas de Mata Atlântica entre o vale dos rios Jequitihonha, Buranhém, Itanhém, Mucuri e Jucuruçu, e portanto esta exposição etno-fotográfica tem como objetivo a valorização dos rituais e cantos yãmîyxop no território do Pradinho, como elemento de resistência cultural, memória e patrimônio imaterial dos povos Tikmũ’ũn.

Deixo aqui, registrado o agradecimento à pesquisadora Rosângela Pereira de Tugny pela sua dedicação no trabalho desenvolvido com os povos Tikmũ’ũn, respectivamente Pataxó e Maxakali, e por ter viabilizado minha participação nos rituais em homenagem ao o pajé e mestre de saberes Toninho Maxakali.

Álbum do Flickr – Ramon Rafaello 

© Todos os direitos autorais reservados

LINK DA EXPOSIÇÃO VIRTUAL https://www.flickr.com/photos/155346106@N07/albums/72157715914772398

Ramon Rafaello é bacharel interdisciplinar em humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), graduando do bacharelado em antropologia da UFSB e mestrado do Programa de Pós Graduação em Estado e Sociedade (PPGES).

Para conhecer mais sobre Toninho Maxakali, acesse: https://piseagrama.org/homenagem-ao-paje-toninho-maxakali/

Fontes bibliográficas:

CARVALHO, Marivaldo A. Tais Cangussu Galvão Alves. Rosana P. Cambraia. O POVO INDIGENA MAXAKALI E SUAS NARRATIVAS MÍTICAS. Revista Desenvolvimento Social No 13, 2014. (ISSN 2179-6807)

PARAÍSO, Maria Hilda B.. Amixokori, Pataxo, Monoxo, Kumanoxo, Kutaxo, Kutatoi, Maxakali, Malali e Makoni: povos indígenas diferenciados ou subgrupos de uma mesma nação? uma proposta de reflexão. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo: USP / MAE, n. 4, p. 173-87, 1994

TUGNY, Rosângela de. Homenagem ao pajé Toninho Maxakali. Piseagrama, Belo Horizonte, seção Extra!, 22 abr. 2019.

TUGNY, Rosângela Pereira de. 2009. Mõgmõka yõg kutex xi ãgtux. Cantos e histórias do Gavião-Espírito.

[1] Fonte: https://www.indios.org.br/pt/Povo:Maxakali (acessado no dia 23/09/2020)

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